De todas as construções, a situação do Engenhão é a que causa mais polêmica
Por Igor Santos e Thamine Leta
RIO - A quatro anos das Olimpíadas de 2016, o legado do Pan — que representa 47% das instalações que serão usadas nos Jogos — ainda não está sendo plenamente desfrutado. Apesar dos altos investimentos e da grande expectativa em torno dos equipamentos, muitos ainda enfrentam entraves que comprometem o alcance de sua utilização e ameaçam o brilho de construções ainda novas. Um impasse entre as entidades do atletismo e o Botafogo — administrador do Engenhão desde o fim de 2007 — deixa a pista principal do estádio e a auxiliar praticamente sem uso profissional.
De todas as construções erguidas para o Pan, a situação do Engenhão é a que causa mais polêmica. O presidente da Federação de Atletismo do Estado do Rio de Janeiro (FARJ), Carlos Alberto Lancetta, diz que a pista está subutilizada em função da falta de vontade política da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) de fazer valer o intuito inicial de promover o esporte olímpico. Nenhuma das pistas do Engenhão é usada para treinamento. Apenas uma vez por ano, o local abriga um evento do atletismo: o GP Brasil (em 2009, o Troféu Brasil de Atletismo também foi disputado lá).
— É lamentável que um equipamento valioso como esse seja subutilizado. Culpo diretamente a CBAt que, no momento da terceirização, não criou condições para o uso regular. Como foi construído com verbas públicas pelo governo federal, o Engenhão teria que ser utilizado pela Federação — opina Lancetta.
Manutenção custa R$ 455 mil
O superintendente técnico da CBAt, Martinho Nobre dos Santos, se defende dizendo que o Engenhão teve o destino que a prefeitura quis, ou seja, a utilização por um clube de futebol. De acordo com ele, os treinamentos do Botafogo impossibilitam a utilização das pistas pelo atletismo.
— O Botafogo utiliza inclusive o campo da pista de aquecimentos, que seria usado também na nossa modalidade.
O atual presidente do Botafogo, Maurício Assumpção, diz que, quando o Botafogo assumiu a administração do Engenhão, não havia nenhum compromisso jurídico de estimular a prática do atletismo. Ele chama atenção para o fato de que o clube arca com os gastos mensais de R$ 455 mil de manutenção e, portanto, a utilização do espaço deve gerar lucro.
— Somos nós que pagamos as despesas do estádio. Ninguém faz evento de graça. O que o Botafogo vai receber? A marca do clube vai aparecer como? Quem vai pagar? Criticar é muito fácil, mas até agora não vi um projeto na minha mesa que trouxesse uma contrapartida para o Botafogo — rebate o presidente do clube.
Por enquanto, o projeto Estação Conhecimento, da Vale, é o único a utilizar a pista auxiliar do Engenhão, em atividades com 400 crianças e jovens de 10 a 17 anos. Ainda é pouco: em 2011, o estádio recebeu mais shows, como o de Paul McCartney e Justin Bieber, do que eventos de atletismo.
Em vez de atletismo, shows
Abrigar shows de grande porte também se tornou a vocação da Arena Multiuso — rebatizada de HSBC Arena logo após o Pan —, na Barra da Tijuca. Desde 2008, o local tornou-se oficialmente a maior casa de shows da cidade. O esporte ainda tem vez, já que algumas competições como o Campeonato Mundial de Judô, o Circuito Master de Tênis e as finais do NBB (basquete) foram realizadas por lá, além de uma edição do UFC. No entanto, a função principal é receber nomes como Amy Winehouse, Beyoncé e Eric Clapton.
Ao lado da arena, fica a menina dos olhos do COB: o Centro de Treinamento do Time Brasil. O complexo — que crescerá ainda mais após a construção do Parque Olímpico para 2016 — engloba o Parque Aquático Maria Lenk e o Velódromo. Em ambos os locais, há uma estrutura de primeira para atletas. No Maria Lenk, que em 2016 receberá as competições de saltos ornamentais e polo aquático, as piscinas são utilizadas também por atletas profissionais da natação e do nado sincronizado. Segundo Edgar Hubner, gerente-geral de juventude e infraestrutura do COB, antes de Londres, as piscinas do Maria Lenk estavam cheias de atletas que se preparavam para a competição. Em janeiro e fevereiro de 2011, a equipe russa de nado sincronizado procurou o Maria Lenk para treinos. Com o fim do ciclo olímpico londrino, as piscinas passam por um momento de transição, sendo mais usadas por atletas juvenis de Flamengo, Fluminense e da equipe do ex-nadador Djan Madruga. Assim que a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos definir seu cronograma de treinamentos visando 2016, os profissionais terão prioridade no local.
—Como há esses períodos de transição, em muitos momentos haverá mais gente de escolinha do que atletas adultos — diz Hubner, que estima em 50 o número de atletas que utilizam o espaço atualmente.
No Velódromo, vizinho do Maria Lenk, treinam atletas do ciclismo, da patinação e da ginástica artística. O Flamengo, cuja equipe de ginástica é reconhecida como a melhor do país, é uma das 10 instituições que utilizam o Velódromo para treinos. Quarenta jovens de escolas municipais e 304 ciclistas da Fecierj (Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro) treinam no local, que também recebe a equipe Caloi de ciclismo de pista. Antônio Márcio Domingues Ferreira, técnico da equipe e diretor de Velódromo da Fecierj, lembra que, antes, não havia equipes de ciclismo de pista no Rio. Porém, todo esse progresso pode se perder em um piscar de olhos, em razão de adaptações necessárias para 2016. Para os ciclistas, o impasse sobre a demolição ou não do equipamento, ainda não decidida, causa insegurança.
— O ideal seria construir outro velódromo dentro das especificações necessárias para 2016 e, quando ele estivesse pronto, o atual poderia ser desmontado e levado para outra cidade do país, como foi noticiado — afirma Ferreira.
Um outro braço do ciclismo em 2016, o de montanha, será disputado em Deodoro, em instalação a ser construída. Hoje, o bairro de tradição militar abriga centros de hipismo e tiro esportivo. Com uma área de 82 mil quilômetros quadrados, o Centro Nacional de Hipismo possui 6Km de extensão para cross-country e uma pista de saltos para treinamentos e competições do Exército. Já o Centro Nacional de Tiro Esportivo é administrado pela confederação brasileira do esporte, sem interferência das Forças Armadas. Nem seria preciso: grande parte dos atletas é de origem militar. Um deles é Luciano Alves Parreira, de 48 anos, coronel do Corpo de Bombeiros. Praticante de tiro ao prato desde 2005, ele já ocupou o cargo de diretor da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE) e está atrás de uma vaga para os Jogos de 2016. Mensalmente, são realizadas no local etapas do campeonato brasileiro. Luciano estima que cerca de outros 20 atletas utilizem as instalações no dia a dia. Um número considerado pequeno, mas que nada tem a ver com as condições do centro, que são as melhores possíveis. Mas detalhes de infraestrutura, como a falta de um chuveiro, ainda incomodam. Os atletas têm que se refrescar com mangueiras.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/topico-rio-2016/embora-47-das-construcoes-do-pan-tenham-ficado-para-2016-muitas-estao-subutilizadas-6168719#ixzz27DME025F
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