Por José Antônio Lima
A revista France Football, tradicional publicação esportiva francesa, traz em sua edição desta terça-feira 29 um especial de 15 páginas no qual afirma que o governo do Catar comprou o direito de sediar a Copa do Mundo de 2022. A suspeita não é nova. A novidade é que, segundo, a France Football, estariam envolvidos na suposta conspiração nomes costumeiramente ligados a outras maracutaias, como o do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) Ricardo Teixeira, além de políticos de envergadura internacional, como o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy e o príncipe-herdeiro do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani. Faltam provas para corroborar as acusações da France Football, mas, triste para o futebol, as denúncias são plausíveis.
A reportagem dá a entender que o governo do Catar montou um imenso esquema para “convencer” os 22 membros do Comitê Executivo da Fifa a escolher a candidatura da nação árabe.
Teixeira e o presidente da Associação Argentina de Futebol (AFA), Julio Grondona, teriam sido cooptados graças a um amistoso entre Brasil e Argentina disputado em novembro de 2010 no Catar. Segundo a revista, a CBF costumava recebe 1,2 milhão de dólares por amistoso, mas naquele partida faturou 7 milhões de dólares. Valor semelhante teria ficado com a AFA e Grondona.
Votos da África teriam sido comprados da mesma forma. Segundo a France Football, o presidente da Confederação Africana de Futebol (CAF), o camaronês Issa Hayatou, e Jacques Anouma, da Costa do Marfim, teriam recebido 1,5 milhão de dólares cada um para votar a favor do Catar. Essa acusação é antiga. Foi feita em 2011 por Phaedra Almajid, ex-integrante da campanha do Catar para a Copa de 2022. Posteriormente, Almajid voltou atrás das acusações e disse ter sido motivada pela raiva que sentiu após perder o emprego. A revista francesa acrescenta, no entanto, que o Catar investiu 1,25 milhão de dólares num congresso da CAF para ter acesso exclusivo aos quatro eleitores do continente.
A cooptação do Catar se deu também na Europa. Para obter o voto de Ángel María Villar, presidente da Federação Espanhola de Futebol, o Catar ofereceu uma troca de votos. O acordo envolveria a colocação do peso dos eleitores do Catar também ao lado da candidatura conjunta de Portugal e Espanha para a Copa do Mundo de 2018, que acabou sendo dada à Rússia.
Para obter o voto do ex-jogador Michel Platini, hoje presidente da União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), as apostas teriam sido mais altas. Segundo a France Football, Platini teria recebido diretamente de Sarkozy o pedido para votar no Catar por “questões geopolíticas”. A conversa teria ocorrido no Palácio do Eliseu, sede do governo francês, e teria incluído o príncipe-herdeiro do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani. Em troca do voto, o Catar faria dois investimentos na França: a compra do Paris Saint-Germain, um clube de futebol, e a abertura da beIN Sport, canal esportivo de televisão. Ambos realmente viraram realidade.
Para corroborar sua tese, a France Football lembra outros fatos curiosos. O principal deles é o e-mail, surgido durante uma investigação de corrupção, no qual o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, dizia que o Catar havia “comprado” o direito de sediar a Copa. Valcke admitiu ter escrito a mensagem, mas afirmou que o fizera em sentido figurado. A France Football entrevistou ainda o ex-funcionário da Fifa Guido Tognoni, segundo quem a entidade é corrupta e o lobby do Catar era tão forte que derrotou até o ímpeto inicial do presidente da Fifa, Joseph Blatter, de levar a Copa de 2022 para os Estados Unidos.
A reportagem da France Football chama a atenção pois é um apanhado geral, com algumas novidades, de todos os escândalos que circundam a escolha do Catar. Faltam, ainda, provas cabais de que alguns dos 22 membros do executivo da Fifa receberam dinheiro para votar pelo país árabe. A publicação diz que enviará as evidências obtidas para a Fifa, mas é custoso acreditar que a entidade, afundada em denúncias, investigará os seus próprios. Como CartaCapital mostrou nesta reportagem de julho passado, o Catar é um país pronto a percorrer caminhos longos, e caros, para ganhar influência. Seu governo faz isso de modos legais, com investimentos em setores estratégicos como água, energia, mídia e bancos; questionáveis, como armar os rebeldes sírios que lutam contra Bashar al-Assad; e tem meios para fazer de forma ilegal, subornando dirigentes esportivos.
A história do esporte e de seus grandes eventos mostra que não seria propriamente uma inovação por parte do Catar. A monarquia autoritária estaria apenas levando a corrupção a um outro patamar para garantir sua escolha. Se todas as denúncias forem verdadeiras, o esquema talvez jamais seja provado, por mais verossímil que pareça. Enquanto as federações esportivas forem caixas-pretas, sujeitas a todo tipo de influência e nenhum controle externo, e tiveram patrocinadores dispostos a investir e um público feliz em consumir, nada vai mudar. Ou o esporte se torna mais transparente, ou escândalos como esse vão continuar se acumulando.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/e-possivel-provar-que-o-catar-comprou-a-copa-de-2022/
Nenhum comentário:
Postar um comentário