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sexta-feira, 29 de junho de 2012

Uma gestão em dois momentos


Por Emerson Gonçalves

Para gosto de uns e desgosto de muitos, o futebol de hoje é fortemente influenciado pela economia, pelas finanças, pela gestão. Houve um tempo em que o que realmente fazia diferença era quem entrava em campo. Todavia, os tempos mudaram e hoje, mais que nunca, a escalação de quem entra ou não em campo é claramente definida pelo caixa do clube. Nem tanto no Brasil, por enquanto, mas já bem estabelecido nos países desenvolvidos onde o futebol é forte, o “caixa”, na forma do valor da folha de pagamentos, define também os times vencedores.

Apesar da ressalva do “por enquanto” aplicada ao nosso futebol, já é visível entre nós que antes de começar um campeonato é bom dar uma olhada no balanço e na performance financeira dos clubes. Nessa visão já poderemos apontar os mais prováveis candidatos ao título. Felizmente, há ainda uma certa distância entre a matemática fria e o jogo quente dos gramados.

O exemplo do São Paulo FC

Gestão é decisiva.

Até 31 de dezembro de 2008 podemos dizer que o São Paulo e sua torcida viviam no melhor dos mundos, apesar de muito chororô injustificado por conta de um suposto “mau desempenho” na Copa Libertadores. Naquela véspera de Reveillon, o clube fechava um período de 4 anos com um tricampeonato Brasileiro inédito, um título Mundial e um título da Libertadores. Não somente isso: uma excelente campanha na copa continental em 2006, com um vice-campeonato, seguida por duas boas campanhas em 2007 – eliminado nas oitavas-de-final – e em 2008, quando foi eliminado nas quartas-de-final. É importante deixar claro que para o gestor e para o analista não vale o julgamento do torcedor, que o time poderia ter ido mais longe, que ser eliminado nas oitavas é uma vergonha ou coisa que o valha. O importante, em primeiro lugar, é participar da competição. Em segundo lugar, passar da fase de grupos.

Na área econômica, vejam a tabela a seguir:

O balanço mostrava uma situação excelente, com a maior receita total entre os clubes brasileiros e, mais importante até, a maior receita operacional do futebol. Tinha, igualmente, a maior folha salarial do futebol, algo perfeitamente condizente com a performance esportiva. Naquele momento, o futuro parecia risonho, abrilhantado pela certeza que a todos dominava que o Estádio do Morumbi sediaria os jogos da Copa 2014 em São Paulo. Bastava manter a situação, não mexer em time que estava ganhando, para que novos títulos viessem.



“O São Paulo retrocede”

Esse foi o título do post desse OCE em 9 de fevereiro de 2009, analisando a decisão da direção tricolor, vale dizer, do presidente Juvenal Juvêncio, quebrando velho acordo com o Corinthians para a divisão de público no Morumbi nos jogos entre os dois. Essa medida criou uma crise que veio a ter desenvolvimentos e efeitos que não foram pensados pela cúpula são-paulina, vale dizer, pelo presidente Juvêncio.

Pouco depois, o presidente cedeu às pressões – absolutamente incompreensíveis, na minha opinião – de diretores e conselheiros e demitiu o treinador Muricy Ramalho. Para seu lugar foi contratado Ricardo Gomes, retornando ao Brasil.

Ricardo não teve vida fácil no Morumbi, “acusado”, entre outras coisas, de ser um gentleman, de ser educado demais. Ora,ora, ora, parece mentira, mas foi verdade, que tal fato tenha ocorrido dentro de um clube famoso, em outros tempos, pela elegância. No ano seguinte, depois de um excelente Brasileiro, chegando na terceira colocação e disputando o título até o final, e mais uma semifinal pela Copa Libertadores, seu contrato, simplesmente, não foi renovado.

Sergio Baresi, treinador da base, foi promovido e quase queimado. Para seu lugar, Paulo Cesar Carpegiani. Para seu lugar, Adilson Batista, contratação tão incompreensível quanto a de seu antecessor. E para seu lugar, Emerson Leão, que já estava, na prática, aposentado, demitido sumariamente (em menos de um minuto, o que dá nova dimensão ao vocábulo sumariamente) na manhã de ontem, pouco depois de chegar para mais um dia de trabalho. Uma demissão nada elegante, digamos.


Portanto, contando com Muricy, em 42 meses, contando a partir do 1º de janeiro de 2009, o clube teve nada menos que seis treinadores, um a cada 7 meses. Todo o capítulo sobre treinadores da cartilha de gestão foi jogado no lixo.

Ao mesmo tempo, seguindo uma prática que o tornou famoso, o presidente Juvêncio colecionou contratações, às vezes em verdadeiras “baciadas”, em sua maioria sem apresentar resultados. Jogadores que, na maior parte, não foram indicados ou pedidos expressamente pelos treinadores de plantão, sendo decididas pelo próprio presidente e seu assessor, Milton Cruz.

Em recente trabalho da Pluri Consultoria, o clube teve 0 – zero – no IPEG, que é um índice que aponta a eficiência de gestão do futebol, pela relação entre o valor das despesas com o futebol e o desempenho esportivo e que já foi mostrado em posts anteriores nesse OCE. A tabela abaixo mostra melhor:

Considerando o valor das despesas, o São Paulo apresenta o pior índice entre os clubes brasileiros. Pior ainda: pelo segundo ano consecutivo.

O São Paulo avança… Nas dívidas – 100 Milhões em 4 anos

A receita do clube evoluiu, é bem verdade, apesar do mau desempenho do marketing, desde o rompimento com a patrocinadora LG. Curiosamente, Corinthians e Flamengo padecem hoje do mesmo mal. A composição desse crescimento, entretanto, foi fortemente influenciada pelos direitos de transmissão, em especial o novo acordo que já refletiu no balanço 2011, e pela performance do Estádio do Morumbi, cuja parcela maior é devida aos camarotes e depois ao aluguel para grandes shows. Ora, com o time tendo campanhas pífias nos gramados, a tendência é uma queda nessas receitas do estádio, que vêm se constituindo numa verdadeira âncora financeira.

Segundo a BDO , a dívida do clube evoluiu de 58,6 milhões de reais em 2008 para 158,5 em 2011.


Um crescimento assombroso de 99,9 milhões! Apesar disso, considerando as receitas e o potencial do clube, não é assustador, mas é, no mínimo, preocupante, principalmente pela tendência demonstrada.

Além da perda do patrocínio da LG (parcialmente reposta durante um período pelo patrocínio de um banco), a ausência em duas edições seguidas da Copa Libertadores e mais dois anos de péssimo desempenho no Campeonato Brasileiro impactaram negativamente as contas pela queda nas bilheterias e no programa de Sócio-Torcedor. Sem esquecer, é claro, as despesas financeiras, mesmo porque a dívida bancária é hoje responsável pela maior parcela desse estoque.

Se considerarmos o levantamento da Mazars, a dívida do clube era ainda maior em 31 de dezembro de 2011: 178,2 milhões de reais, dos quais 102,9 referentes a empréstimos junto a instituições financeiras.

Temos, então, uma clara ligação entre a bola jogada e as cédulas que entram e saem dos cofres.

E a política…

Apesar do Estatuto do clube proibir um terceiro mandato consecutivo, graças a uma manobra jurídica o presidente Juvêncio foi re-reeleito em 2011, daí a menção a ser uma presidência sub judice. Não é ilegal, como dizem muitos, posto que está amparada por instrumentos legais, mas é claramente ilegítima, no sentido de desrespeitar a letra do Estaítima, no sentido de desrespeitar a letra do Estatuto. Embora assunto interno, de certa forma, é ponto que não pode ser deixada de lado ao se falar sobre a gestão atual de Juvenal Juvêncio.

Em nome da Copa 2014 o São Paulo investiu e se expôs, especialmente por meio de declarações de seu presidente, que acabaram por criar, e em alguns casos consolidar, uma visão antipática em relação ao clube. Simpatia pode até não render voto ou dinheiro, mas a sua gêmea de sinal invertido, a antipatia, sem dúvida prejudica uma e outra ação.

Não vou me alongar sobre o quadro político porque aí a coisa vai longe demais. Mas um último ponto precisa ser abordado: uma administração centralizada não é saudável e está na contracorrente de todos os cânones da moderna gestão em todas as áreas. Responsabilidades e metas devem ser delegadas e resultados devem ser cobrados. Gestões precisam ser fiscalizadas de forma efetiva e não de superficialmente.

Nenhuma organização social, seja o Estado, seja uma associação ou condomínio de moradores ou um clube de futebol, pode operar com sucesso nesse Século XXI sem democracia, participação e transparência. O continuísmo leva as organizações à erosão, a um processo de degradação e decadência, revertido a duras penas e altos custos. Vimos isso no futebol nos últimos anos em grandes clubes, como o Vasco, o Palmeiras e o Corinthians. Este último, por sinal, disputou a segunda divisão em 2008 e os números da primeira tabela são bem representativos do que foi aquele ano. E a queda foi fruto direto de uma gestão que parou no tempo e permaneceu no poder, sem renovação, com a oposição subjugada.

O portal GloboEsporte tem algumas matérias excelentes do Marcelo Prado, que mostram uma boa visão do dirigente e da gestão Juvêncio: aqui… aqui… e aqui, essa última sobre a sucessão de treinadores. E a primeira sobre… o treinador Juvenal.



A escolha do treinador ou basta de intermediários

Às vezes a escolha é folclórica e geralmente é feita sem grandes reflexões, na base do “tá livre?”, como se fosse um taxi de passagem. Já que está livre (e se for barato melhor ainda) vamos pegar.

Numa gestão de futebol moderna e consequente, a escolha do treinador é pensada e muito analisada. Já comentei a respeito em vários posts, inclusive falando sobre o processo que culminou na escolha de Guardiola para treinar o Barcelona.

O ideal é que o treinador tenha uma linha e filosofia de trabalho e futebol que se afine com a do clube. Para isso, porém, é necessário que o clube saiba o que quer, saiba qual é o futebol que responde aos anseios de seus torcedores, estimulando-os a ir ao campo, além de comprar o PPV, camisas, etc. A escolha do treinador deve ser do clube e não de um dirigente. É um funcionário de alto custo e enorme importância. Trocá-lo a cada seis ou sete meses ou mesmo a cada ano, é prejuízo certo. Um treinador precisa de tempo para montar o elenco, formar e moldar a equipe, até apresentar resultados consistentes. De maneira geral, tudo isso é piada ou sonho ou delírio no futebo brasileiro. Mais ainda quando pensamos que o treinador deve sobreviver ao mandato de quem o contratou.

Um treinador não deve contratar e negociar jogadores, mas deve, obrigatória e necessariamente, participar das tomadas de decisão a respeito. E, fundamental, deve indicar quem quer e dizer porquê quer. Essa não é a praxe no São Paulo de Juvenal Juvêncio. Quando Breno e Alex Silva foram negociados, desfazendo a fantástica defesa de 2007, o treinador pediu um zagueiro veloz, com bom domínio e saída de bola, bom nas bolas aéreas, habituado a jogar na direita da defesa; recebeu um jogador lento e sem as características para joga na direita. Resultado: o treinador demorou meses para conseguir formar uma nova defesa. Mas o presidente e seu assessor contrataram um zagueiro por um bom preço, num negócio de oportunidade.

Apesar de detalhes como esse, toda a cobrança e pressão por resultados caem sobre o treinador. Some-se a falta de pré-temporada e a impaciência para esperar por resultados e… Pronto! Aí está a receita de um bolo que já nasce, sempre, estragado.

Como a pressão recai sobre o treinador, o dirigente fica à vontade para trocar, trocar e trocar, ao ponto do São Paulo, tema desse posto, ter tido três treinadores em 2011, fora o quebra-galho de plantão.

Na matéria sobre o desempenho dos treinadores, o presidente tricolor diz que a safra de treinadores é ruim e vai além: “… o Brasil não é brilhante em técnicos.” Com essa linha de comportamento, entretanto, de nada adiantará trazer o excelente André Villas-Boas ou o fantástico Pep Guardiola. Será apenas jogar dinheiro fora.



Voltem aos números de receitas e despesas, vejam o índice de eficiência de gestão, com o Tricolor na lanterna, e tudo fica mais claro.

Numa das matérias do Marcelo Prado linkadas mais acima, o presidente tricolor diz que seria um bom treinador e lamenta, o que acho impressionante, o fato de diretor de clube não mais poder ficar no banco de reservas. Essa, por sinal, foi uma medida inteligente e saudável da FIFA. Não é à toa que os cartolas – termo que raramente uso, exceto quando muito necessário – naturalmente, detestaram-na. Passaram a ficar longe do treinador, do juiz e dos assistentes, além dos jogadores.

Ora, depois dessa declaração do presidente, tudo que resta é recordar uma velha frase da política brasileira dos anos 60, no início do regime militar: “Basta de intermediários, Bobby Fields para presidente.”

Então, ficamos assim:

Basta de intermediários, Juvenal Juvêncio para treinador.

Afinal, boa parte da torcida são-paulina já sabe que o ano está perdido, concordando com o que disse o ex-treinador Leão antes do jogo de Curitiba.

A menos que os deuses dos estádios resolvam brincar um pouco, porque, no que depender de gestão, sem chance.

Fonte: http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo/2012/06/27/uma-gestao-em-dois-momentos/




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