Capital catalã se planejou para aproveitar tudo o que construiu
or Priscila Guilayn
MADRI - Em 1992, uma Barcelona completamente transformada, mas com rica personalidade própria, triunfava como sede olímpica. Foram 11 anos de trabalho — começaram com o projeto da candidatura, cinco anos antes da eleição do COI, em 1986 — para conseguir uma regeneração urbana e um maior desenvolvimento econômico regional. O turismo, que hoje representa 15% do PIB barcelonês, não estava entre seus objetivos prioritários. A marca Barcelona, no entanto, ganhou projeção estratosférica, e as palavras usadas para caracterizar a cidade — design, criatividade, inovação, cosmopolitismo, cultura, qualidade de vida — continuam sendo repetidas duas décadas depois, quando o número de turistas passou de 1,7 milhão a 7,6 milhões por ano.
Embora esta seja uma consequência dos Jogos de 92, não é seu maior legado. O perfil turístico que Barcelona ganhou com as Olimpíadas é praticamente o único ponto polêmico: exaltado pela maioria, é execrado por moradores do Centro que sentem saudades dos tempos em que caminhavam tranquilamente pelas Ramblas e ruelas do chamado casco histórico, e reclamam que os turistas recebem mais atenção do que eles. Ninguém nega, porém, que a Barcelona de hoje é infinitamente melhor do que aquela da década de 1980, que lutava para sair da depressão, depois de 40 anos de ditadura franquista, e almejava, como parte integrante da Espanha, entrar na União Europeia (a adesão foi, justamente, em 1986).
Instalações foram aproveitadas
A posição unânime de que os Jogos foram extremamente positivos para Barcelona e marcaram um antes e um depois para a cidade está ligada a uma ideia central: ser sede olímpica era um pretexto para transformar a cidade. Prova disso é que somente 9,1% do orçamento total de 9,4 bilhões de euros foram gastos diretamente em projetos esportivos.
— Economicamente, a chave do sucesso foi a criação de um modelo de financiamento público e privado. A união da visão empresarial com a institucional foi fundamental para criar redes que continuam funcionando e que são responsáveis pelo aproveitamento das instalações olímpicas 20 anos mais tarde — afirma Sunsi Huertas, professora de comunicação de destinos turísticos da Universidade Rovira i Virgili.
O sucesso de Barcelona 1992 está ligado ao planejamento feito com olhos na futura digestão de tudo o que se construísse. Pensando assim, das 43 instalações usadas nos Jogos só 15 eram novas, e todas foram aproveitadas depois. O Palau Sant Jordi, em Montjuic, principal pavilhão coberto dos Jogos, realiza mais de 150 espetáculos esportivos ou musicais por ano. Outro edifício, construído para as competições de luta olímpica, se transformou em universidade. As piscinas olímpicas de Picornell recebem dois mil usuários por dia. E assim por diante.
O Estadio Olímpico de Montjuïc teve um aproveitamento mais problemático. Só ganhou uso fixo em 1997, quando o clube de futebol Espanyol, o segundo time da Catalunha, passava por dificuldades financeiras e teve que vender seu Estadio Sarriá. Em 2009, no entanto, o Espanyol voltou a se mudar. Desde então, o Estádio Olímpico é usado para competições de atletismo e shows.
Os gastos foram repartidos entre o governo regional, que desembolsou 13%; o governo central, 10%; a prefeitura, 2%, e a iniciativa privada, o restante. Enquanto uma minoria dos esforços econômicos foi posta diretamente nos Jogos, os majoritários, 91% do orçamento, foram investidos principalmente em infraestrutura urbana.
Barcelona ganhou 4,2 quilômetros de praias (nove), de sul a norte, frequentadas por 3 milhões de banhistas por ano. Foi uma transformação radicalmente positiva. A linha do trem, agora subterrânea, separava a cidade do mar, e o centro histórico — a Ciutat Vella — mal se dava conta de que o Mediterrâneo estava logo ali. Há dois anos, foram colocados 750 mil metros cúbicos de areia — de um investimento total de 33 milhões de euros em 20 anos — para consolidar as praias barcelonesas, evitando que a cada temporal ficassem sem areia.
— Não tínhamos ambição expansiva. Queríamos requalificação urbana, reestruturar o que já estava feito — conta Lluis Millet Serra, que foi diretor de Arquitetura e Planejamento Urbanístico de Barcelona 1992. — O diálogo social é fundamental. A expropriação da Vila Olímpica, que significou a obtenção de mais de 40 hectares centrais da cidade, não foi feita através de leis ou decretos e, sim, de acordos com cada um dos proprietários ou usuários do terreno.
Graças à criação da Vila Olímpica, que emerge sobre velhos terrenos industriais, o porto barcelonês é hoje um ponto de encontro diurno e noturno: o litoral do bairro de Poble Nou, que durante o século XX foi se convertendo em lixeira a céu aberto, onde o mar era um coquetel de esgoto e resíduos industriais, hoje, despoluído, é cenário de esportes aquáticos e abriga marina, shopping, bares, restaurantes, discotecas, centro de saúde, metrô e bibliotecas.
Os 1.802 apartamentos, de diferentes tamanhos, separados do mar por um parque, serviram de residência para os atletas. Encerrados os Jogos, foram vendidos, por sorteio, rapidamente: havia mais demanda do que oferta. Hoje, quando algum proprietário decide vender seu imóvel, encontra comprador em um piscar de olhos, algo praticamente impossível na atual crise na Espanha. Mais que isso, com os valores de 2007, ano anterior ao estouro da bolha imobiliária, que reduziu preços e paralisou o mercado.
— Foram poucos os erros. Mas diria que nesta obra pecaram por falta. Deveriam ter urbanizado mais dois quilômetros do litoral, na área do Fórum — avalia o economista Ferran Brunet, pesquisador do Centro de Estudos Olímpicos da Universidade Autônoma de Barcelona, referindo-se à região onde o Mediterrâneo se junta com o Rio Bèsos.
Porto se tornou o primeiro da Europa
Erguer a Vila Olímpica numa região degradada e desprezada foi um dos grandes acertos de Barcelona. A insuficiente capacidade hoteleira não foi solucionada com a construção de muitas unidades e, sim, com o aluguel de seis navios de luxo, durante 15 dias, cada um capaz de alojar quatro mil pessoas. Para abastecer as embarcações e atender os hóspedes, o porto teve que ser reinventado. Resultado: Barcelona é, hoje, o primeiro porto de cruzeiros da Europa e o quarto do mundo. Para dar vazão à enxurrada de visitantes, o aeroporto del Prat passou por obras de ampliação: em 2011, recebeu 34 milhões de passageiros, cifra que, 20 anos antes, rondava os 10 milhões.
A capacidade de Barcelona de aproveitar o empurrão dos Jogos a fez pular do 11º lugar entre as cidades europeias mais atraentes, em 1990, para o 4º, em 2010. É a primeira em qualidade de vida para os trabalhadores, quarta para os negócios e quinta para reuniões internacionais. Mas a valorização da marca Barcelona pesou no bolso de quem mora na cidade. É a mais cara do país e a 25ª do mundo.
— O efeito inflacionário é de curto e médio prazo até que apareçam novas ofertas. Na primeira década, com o boom turístico, é normal que os preços subam. Depois, com o aumento da concorrência há uma compensação, uma moderação — afirma o economista Oscar Mascarilla, especialista em análise conjuntural da universidade de Barcelona.
Resumindo, como disse o The New York Times em 1992, sobre a festa de encerramento das Olimpíadas: “a cidade ganhou os Jogos”.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/licoes-olimpicas-uma-nova-barcelona-nasceu-dos-jogos-6242423#ixzz28cZGG2jp
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