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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Presença masculina na coleta deixa atletas constrangidas no antidoping


Médico fiscaliza exame de urina de mulheres em Brasília, contrariando norma da Agência Mundial; entidade informa que problema foi corrigido em São Paulo

Por Fabrício Marques

As atletas que participaram no início desta semana, em Brasília, dos primeiros exames realizados pela Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), ligada ao Ministério do Esporte e criada para as Olimpíadas de 2016, tiveram que fazer a coleta de urina diante de um acompanhante homem. A situação, que constrangeu algumas esportistas, contraria as normas internacionais para testes estabelecidas pela Agência Mundial Antidoping (Wada).
- Estou há mais de dez anos no esporte. Já cheguei a fazer 18 exames antidoping em um ano e nunca tinha acontecido a coleta com um doutor. O médico pode até preencher o formulário, mas na hora da coleta, no banheiro, é sempre uma mulher. Então, a gente fica muito constrangida. Nos meus primeiros exames antidoping, com uma fiscal mulher, já era constrangedor, imagina com um doutor. Mas acabei aceitando, pois o comunicado que recebi dizia que era obrigatório e, se não fizesse o exame, eu corria o risco de ser suspensa - afirmou uma das atletas, que preferiu não se identificar.
O treinador da esportista, que também pediu para ter a identidade preservada, contou que questionou o procedimento com os responsáveis pelos exames. A justificativa foi de que a equipe da ABCD é nova e ainda não havia mulheres capacitadas para acompanhar a coleta com as atletas.
- Com toda a educação, nós perguntamos o motivo por estarem fazendo daquela maneira. Disseram que a equipe ainda estava sendo formada e não tinha uma oficial mulher preparada para aquela função. Nós tentamos argumentar, dizer que a atleta não ia fazer. Mas fomos informados de que ela teria que fazer, ou então poderia ter problemas como a suspensão de competições por se recusar a passar pelo antidoping - disse o técnico.
O artigo D.4.6 do documento que determina as normais internacionais para testes da Wada diz que o responsável por acompanhar a coleta da urina deve ser do mesmo sexo do atleta. De acordo com o membro da entidade e responsável pelo programa antidoping do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Dr. Eduardo de Rose, as mulheres que se recusam a fazer a coleta com um homem como acompanhante não podem ser punidas.
- A Wada tem uma regra que diz que todo acompanhante tem que ser do mesmo sexo. Está expressa no padrão internacional de controle de doping. Quando a urina de um atleta é tomada, a pessoa que vai ao banheiro com ele tem que ser, obrigatoriamente, do mesmo sexo. Acredito que a atleta que se recusar a fazer a coleta com um acompanhante de outro sexo não poderá sofrer nenhuma punição, porque a técnica de realização do exame está sendo descumprida - explicou o médico.
Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, o diretor executivo da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem, Marco Aurelio Klein, admitiu que um médico acompanhou a coleta de urina de algumas atletas em Brasília. O português João Marques é membro da Agência de Controle de Dopagem de Portugal e veio ao Brasil acompanhar os primeiros exames realizados pela ABCD por conta de um acordo de cooperação técnica firmado entre os dois países.
- Em muitos países, e o Brasil é um deles, os oficiais de controle de dopagem não são médicos. São profissionais de diversas áreas que fazem esse trabalho. Mas há alguns países, como é o caso de Portugal, que está nos ajudando nesse momento inicial de trabalho, onde o controle de dopagem é um ato médico. Portanto, a supervisão da coleta só pode ser feita por médicos. Nós pretendemos trabalhar com esse mesmo encaminhamento, para que profissionais de saúde façam esse trabalho. Ainda vamos capacitar o pessoal - explicou Klein, acrescentando que, nos testes desta quinta-feira, em São Paulo, o problema já foi corrigido e uma médica mulher acompanhou os exames.
Apesar da correção, o diretor chegou a dizer que não houve erro na presença masculina em Brasília.
- Não houve nenhuma impropriedade, pois ele é um médico. Em clínicas, mulheres são atendidas por médicos homens. Ele é profissional da área há mais de 25 anos, oficial da autoridade portuguesa de controle de dopagem, considerada uma das melhores. E ele não faz coleta, apenas supervisiona. Mas o doutor João Marques já treinou duas mulheres da equipe que, em São Paulo e no Rio, farão o trabalho com as atletas - afirmou Klein.
Apesar da justificativa do diretor para a presença do médico no momento de coleta de urina das atletas em Brasília, o Dr. Eduardo de Rose reprovou o procedimento realizado pela ABCD.
- Está errado. É expressamente proibido pelo código. É claro que um médico pode ser o acompanhante, como qualquer outro profissional capacitado. Mas não tem o privilégio de poder quebrar a regra. Há uma norma técnica da Agência Mundial Antidoping e, se o colega é mesmo experiente, deveria saber.

Combate ao doping como política de governo
Criada em 2011, a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem faz parte dos compromissos firmados pelo plano de candidatura do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016. A nova entidade também atende a uma exigência da Wada. Os países que recebem os eventos esportivos precisam ter um órgão específico para o trabalho.
As coletas realizadas com atletas de Brasília no início da semana (11 homens e nove mulheres) marcaram o processo inicial de operação da ABCD. O objetivo desta primeira ação é concluir 100 exames de controle de dopagem em participantes do programa Bolsa Atleta, do governo federal. Além da capital federal, também serão feitas coletas com atletas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Os exames serão feitos em parceria com o Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (Ladetec), pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O Ladetec é o único laboratório do país credenciado pela Wada para antidoping e deve contar com o apoio do governo para obras de ampliação e modernização para atender à demanda durante as Olimpíadas. As instalações da UFRJ também serão responsáveis pelos exames antidoping dos jogadores que disputarão a Copa do Mundo de 2014.
- Com a ABCD, o combate ao doping se torna uma política de governo. Para o ano que vem, vamos formar um grande número de profissionais na área. Pretendemos apresentar, dentro de 60 dias, o nosso programa nacional de controle de dopagem, para que seja debatido em audiências com autoridades esportivas como o COB e as confederações. O espírito da entidade não é propriamente o de punição. Estamos em um processo inicial, e queremos avançar com muita comunicação, muito treinamento e muita orientação para os atletas. Queremos que eles aprendam, desde jovens, que o controle de dopagem é uma coisa natural na vida do atleta de alto rendimento - concluiu o diretor Marco Aurelio Klein.

Fonte: http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/2012/10/presenca-masculina-na-coleta-deixa-atletas-constrangidas-no-antidoping.html

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