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sábado, 25 de agosto de 2012

Os números que importam 2 – potência olímpica


Por Marcelo Barreto

As Olimpíadas mostraram ao mundo a cara multicultural dos ingleses. Quem ainda estava preso àquelas imagens do tempo do império, ladies and gentlemen tomando o chá das cinco (que na verdade é às quatro), ou da sobriedade do pós-guerra, os tempos do “We’re not here to have fun”, certamente se surpreendeu com o que viu. Primeiro, no sorriso dos voluntários, que nem de longe mostraram a fleuma que se esperava dos britânicos e foram a cara dos Jogos. E, last but not least, nas multifacetadas demonstrações de alegria dos atletas que subiram ao pódio. Ganhar um monte de medalhas fez um bem enorme aos donos da casa – e estamos falando da terceira maior potência da história olímpica.

“Não somos mais uma nação de gracious loosers”, disse o ministro da Cultura, do Esporte e das Olimpíadas, Jeremy Hunt, na entrevista coletiva do dia seguinte. Sim, era assim que se via o país que terminou em quarto lugar no quadro de medalhas de Pequim 2008. Perdedores graciosos. Quando Andy Murray perdeu a final de Wimbledon para Roger Federer, um programa matinal da estação de rádio mais ouvida nestas ilhas debatia se o escocês deveria ter chorado em público como fez após a derrota. “Ele simplesmente não foi bom o suficiente”, disse um dos convidados. Semanas depois, não apenas Murray daria a volta por cima, como uma enxurrada de atletas britânicos chorando de alegria e tristeza tomaria as telas, tornando a discussão ultrapassada. Os perdedores muitas vezes não suportaram a pressão de falhar em casa e choraram diante das câmeras; mas as imagens que os britânicos guardarão de Londres 2012 são as de êxtase, como os olhos arregalados de Mo Farah ao cruzar a linha de chegada do estádio olímpico.

Daqui a quatro anos, é a nossa vez. Brasileiros nunca foram conhecidos por esconder suas emoções em público, muito pelo contrário. Mas será que teremos tantos atletas celebrando medalhas? No post anterior, discuti o fato de que o número de pódios olímpicos do Brasil praticamente não mudou desde 1996, a última edição antes da entrada em vigor da Lei Agnello-Piva. Ser o país-sede invariavelmente provoca uma subida nas posições do quadro. O caso mais bem-sucedido é o da Coreia do Sul, que pulou de 19 medalhas em Los Angeles 1984 (6 de ouro, 6 de prata e 7 de bronze) para 33 em Seul 1988 (12, 10 e 11) e desde então nunca mais saiu dos dez primeiros lugares. A Espanha deu o salto que até agora era o mais impressionante, de um ouro em Seul 1988, quando ficou atrás do Brasil, para 13 e o sexto lugar em Barcelona 1992, mas não conseguiu manter o desempenho nas edições seguintes. Uns mais, outros menos, o fato é que todos os países que receberam as Olimpíadas dos anos 80 para cá faturaram mais ouros do que na edição anterior.

O comitê olímpico britânico foi muito cauteloso em suas previsões, principalmente porque o desempenho em Pequim já tinha sido melhor do que o esperado, e portanto parecia difícil de superar. E mesmo os especialistas independentes preferiam o pessimismo. Simon Shibli, professor da Sheffield-Hallam University, foi o único que chegou perto. Ele previu que, por competir em casa, os atletas do chamado Team GB ganhariam 27 medalhas de ouro em 15 esportes. Foram 29 em 16. “O que Londres 2012 nos mostrou foi que a perfomance da Grã-Bretanha estava precisamente alinhada com a dos outros países-sede desde 1988. O aspecto único de nossa pesquisa foi quantificar acuradamente a magnitude desse crescimento”, disse o professor, cujo estudo combinou análise de tendências às vantagens de competir em casa e ao investimento financeiro feito pelo comitê local. A universidade em que ele trabalha assinou um convênio com o COB para 2016. Pode estar aí uma chance de ouro para avaliar corretamente as chances do Brasil no Rio.

As autoridades brasileiras divulgaram, ainda em Londres, um objetivo ousado para as próximas Olimpíadas: chegar entre os dez primeiros no quadro de medalhas. Não tenho a fórmula do professor Shibli, mas por um critério matemático mais simples – os candidatos a pódio que o país tem hoje e pode vir a ter no próximo ciclo olímpico, que já começou – essa conta não fecha. Apenas para citar como exemplo, perguntei ao coordenador técnico da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, Ricardo de Moura, qual é a expectativa da natação para 2016. A resposta foi simples e direta: “Vamos trabalhar com cerca de 70 atletas, e se tudo der certo dez por cento deles se classificarão para as finais.” Em 2012, os nadadores brasileiros disputaram cinco finais e ganharam duas medalhas. O avanço pode parecer pequeno em números absolutos, mas é o que realisticamente se pode conseguir em quatro anos – se tudo der certo. E isso num esporte que já é competitivo em nível internacional. Citando apenas as outras modalidades sob o guarda-chuva da confederação (nado sincronizado, polo aquático e saltos ornamentais), é difícil imaginar que o país saia do quadro atual, de não ter chances de medalha, até 2016.

Londres marcou a chegada de novos esportes brasileiros ao pódio, com o ouro da ginástica artística e o bronze do pentatlo moderno. Mas ambos foram conquistados por atletas que já estavam nos primeiros lugares do ranking mundial e tinham conquistado medalhas em competições internacionais. É nesse critério que se baseia o diretor esportivo do COB, Marcus Vinicius Freire, para fazer suas previsões sobre o quadro. Este ano, ele não quis citar números, mas numa entrevista que me deu no Crystal Palace, poucos dias antes dos Jogos, se disse esperançoso com relação a uma evolução justamente por causa desses novos candidatos – citou também o boxe, que voltou amparado pelos bons resultados nas categorias de base, e a canoagem, que não conseguiu. Nossos canoístas ainda podem ser uma novidade para 2016, mas quais serão as outras? O técnico da seleção brasileira de levantamento de peso, Dragos Stanica, me disse que não tem nenhum atleta em vista para disputar os primeiros lugares no Rio. Quantos terão outras confederações de esportes ainda sem tradição no Brasil?

Claro que o efeito de competir em casa pode pesar a ponto de mais atletas que chegam aos Jogos com chances corresponderem às expectativas. Durante Londres 2012, as redes sociais bombaram com discussões sobre quem amarelou. Fabiana Murer e Diego Hypólito (que usou, ele mesmo, o termo) foram alguns dos principais alvos. Mas se acrescentarmos as medalhas que eles poderiam ter conquistado e até uma ou outra zebra (que costumam aparecer na delegação do país-sede, como a judoca britânica que saiu do quadragésimo segundo lugar no ranking para uma medalha de prata), ainda assim o desempenho do Brasil não vai subir significativamente. Para ficar entre os dez primeiros em Londres 2012, teria sido preciso conquistar mais cinco ouros. É muito para quatro anos. A Grã-Bretanha conseguiu dez, mas partiu de um patamar de 19, e não das três que temos hoje.

E tudo isso, claro, parte da premissa de que o mais importante é o quadro de medalhas, com a qual espero já ter deixado claro que não concordo. Potência olímpica, para mim, é o país que desenvolve o esporte de base a tal ponto que se torna inevitável não tirar dele um bom número de atletas de elite. E isso não precisa de fórmula matemática para saber: nós estamos a muito mais de quatro anos de conseguir. Para atingir esse objetivo, muito mais ousado, a Rio 2016 é o ponto de partida, e não de chegada.

Fonte: http://sportv.globo.com/platb/marcelobarreto/2012/08/23/os-numeros-que-importam-2-potencia-olimpica/

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