Páginas

sábado, 25 de agosto de 2012

Os números que importam 1 – quadro de medalhas


Por MarceloBarreto

O quadro de medalhas é uma ficção. Não existe prêmio para quem fica em primeiro, nenhum país é apontado campeão das Olimpíadas. Até mesmo o critério de botar quem ganhou um ouro à frente de quem conquistou dez pratas é uma convenção, com seu grau acordado de arbitrariedade. O único objetivo dessa invenção é dar uma ideia geral do desempenho por países. Tomado ao pé da letra, o quadro só serve para alimentar as piadas fáceis em 140 caracteres e nas capas dos jornais populares ou para, distorcido, sustentar a demagogia oficial.

É tão limitado dizer solenemente que o Brasil teve seu maior desempenho em número de medalhas (e o segundo melhor em ouros) quanto o deboche de apontar os países supostamente exóticos, como o Irã ou a Jamaica, que ficaram à frente. O quadro de medalhas não tem relação direta com o papel de uma nação na geopolítica mundial – e se tivesse, seria mais justo usar para isso o ranking do IDH do que o do PIB, porque é mais fácil gastar com esporte quando se tem problemas básicos como saúde e educação bem encaminhados.

Mas não é assim que funciona. O resultado de um país no quadro de medalhas deriva de uma equação complexa, com itens que vão desde o mais básico, como o investimento em esportes de base, até o mais difícil de controlar, como o desempenho dos atletas nas finais olímpicas. Na Austrália, antes mesmo do fim dos Jogos, a diminuição no número de medalhas já tinha causado um debate sobre a crise no esporte escolar. No Cazaquistão, que tem entre suas estratégias para ganhar mais ouros aceitar a naturalização de atletas russos flagrados no antidoping, a imprensa estatal festejou o sucesso em Londres. Cabe a cada país decidir o que é mais importante, o esporte de base ou o quadro de medalhas.

Mesmo aceitando o quadro como medida de sucesso, a forma mais justa de avaliar o desempenho de um país é compará-lo com ele mesmo. E por esse critério, o Brasil está patinando. Desde Atlanta 1996, quando começou o último ciclo olímpico antes da lei Agnello-Piva, o número de medalhas conquistadas mudou muito pouco: 15 em 96, 12 em 2000, 10 em 2004 (com cinco ouros, a melhor marca até hoje), 15 em 2008 e 17 em 2012. E elas vieram praticamente dos mesmos esportes: judô, vela, vôlei e vôlei de praia subiram ao pódio em todas essas edições; atletismo, natação e futebol, em todas menos uma. Mesmo o surgimento de novos medalhistas (taekwondo em Pequim, ginástica artística, boxe e pentatlo moderno em Londres) acaba compensado negativamente pela saída do quadro de modalidades antes vencedoras, como o basquete e o hipismo.

Esse cenário não combina com a evolução da arrecadação de recursos da lei Agnello-Piva. De R$ 17 milhões em 2000, as confederações passaram a ter R$ 150 milhões de recursos das loterias este ano. Seria errado, esportiva e matematicamente, esperar que o desempenho no quadro de medalhas crescesse na mesma proporção. Ainda é preciso compensar décadas de falta de investimento no esporte de base. Mas já são dois ciclos olímpicos completos. Tempo suficiente para fazer, por exemplo, o que a ginástica artística conseguiu: em 96, só uma atleta se classificou para os Jogos, e se machucou antes de competir; de lá para cá, o Brasil conseguiu levar uma equipe feminina duas vezes, botou atletas nas finais em três edições seguidas e agora chegou à medalha de ouro. Uma evolução que pode parecer lenta para quem só pensa no número de ouros, pratas e bronzes, mas que foi constante.

Para ganhar medalhas, primeiro é preciso ter candidatos a medalhas – e o Brasil ainda produz poucos deles. Hoje, apenas duas confederações conseguem fazer um trabalho completo nesse sentido. O judô trouxe a Londres 14 atletas para as 14 categorias em disputa (só Japão e França conseguiram o mesmo); sete deles chegaram às quartas de final; quatro ganharam medalhas. O vôlei classificou o máximo possível de equipes, duas na quadra e quatro na praia; três delas chegaram às quatro finais em disputa; quatro subiram ao pódio, em todas as modalidades. Juntas, essas confederações responderam por mais da metade das medalhas do Brasil em 2012.

Não por acaso, judô e vôlei estão entre os esportes mais praticados em clubes e escolinhas pelo país afora. Muito disso, é claro, aconteceu sem interferência direta das confederações. Mas elas souberam aproveitar essa base, e dela tirar o material humano necessário para o esporte de alto rendimento. Nenhum outro esporte olímpico tem essa relação tão bem resolvida no Brasil. A vela merece crédito pela constância no pódio, mas já começa a sofrer com problemas de renovação (judô e vôlei estão sempre disputando títulos nas categorias de base). A natação está no caminho, mas ainda precisa fazer mais finalistas para consolidar o trabalho.

Se mais confederações seguirem esses exemplos, a participação do Brasil no quadro de medalhas vai crescer. Mas nem por isso ele deixará de ser uma ficção, uma medida inexata. O Brasil só terá o que comemorar se o número de ouros, pratas e bronzes for o resultado de uma grande evolução na nossa cultura esportiva. Ficar à frente do Irã e da Jamaica é o de menos. O número que realmente importa é o de crianças e jovens que – talvez inspirados pelo sucesso de Sarah Menezes ou Fernanda Garay – tenham no esporte uma chance de se expressar como cidadãos.

Fonte: http://sportv.globo.com/platb/marcelobarreto/2012/08/13/os-numeros-que-importam/

Nenhum comentário:

Postar um comentário