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quinta-feira, 17 de maio de 2012

"O conceito de arena é puro marketing", diz arquiteto da Copa


Autor do novo Mané Garrincha fala também sobre sustentabilidade na arquitetura esportiva

Por Rafael Massimino

Existe diferença conceitual entre as arenas que estão em construção para a Copa e os estádios existentes no Brasil?
Nenhuma. Na verdade, foi durante a Copa dos EUA, em 1994, que os estádios começaram a ser chamados de arenas. Minha teoria é que o pessoal de marketing passou a usar esse nome para vender o produto de um modo diferente e arrecadar mais anunciantes. Mas é exatamente o mesmo produto.

Mas a arquitetura de estádios evoluiu desde 1994, certo?
Sim, e principalmente por causa das Copas, que lançam tendências. Nos EUA, ocorreu a adaptação dos estádios de futebol americano para o soccer. Já a França criou um produto novo, o estádio multiuso, com arquibancada retrátil que cobre a pista de atletismo. A Coreia e o Japão construíram estádios tecnológicos: sai o campo, gira a cobertura, abre e fecha. Na Alemanha, ganhou destaque a tradição da eficiência, e foi também a introdução de alguns conceitos verdes nos projetos.

E a África do Sul?
Apesar dessa evolução no conceito dos estádios, apenas a África do Sul não teve inovação. Simplesmente importaram projetos alemães.

Os estádios brasileiros terão qual diferencial?
Os 12 estádios da Copa terão certificado de construção sustentável. Essa é a nossa inovação. Quando se analisa o calendário mundial, vemos que isso estava na ordem do dia. Desde a ECO-92 até a Rio+20, o Brasil sempre teve papel destacado nas discussões sobre economia sustentável. A Copa e a Olimpíada foram os cenários ideais para introduzir esses conceitos na arquitetura esportiva.

Quando começou esse processo?
Por iniciativa dos alemães, a Fifa acabou criando o programa Green Goal. Recomendava redução do consumo de água, algo sobre geração de energia, mas no geral era muito básico. Para se ter uma ideia, o grande legado sustentável da Copa de 2006 foi a implantação de um programa de gerenciamento de resíduos no Allianz Arena.

De 2006 para cá já se foram seis anos sem estádios certificados. O que aconteceu nesse meio tempo?
Um exemplo que não foi muito positivo é a Olimpíada de Pequim. O Ninho de Pássaro tem placas fotovoltaicas, mas a energia gerada é ínfima perto do impacto do estádio. Alguma montanha na Austrália foi botada abaixo para extrair todo o minério necessário para a construção. A energia embutida naquele estádio é muito grande.

Usaram a sustentabilidade para fazer marketing?
A expressão correta é green wash, ou “verniz verde” em português. Está na moda dizer que meu estádio é verde, então vou inventar uma história. Mas se analisar a linha de produção não tem nada de verde. A base da concepção daquilo foi mostrar para o mundo um símbolo de poder econômico da China. A estrutura é esteticamente muito bonita. Mas foi quando comecei a perceber que a beleza não estava mais na extravagância das coisas, mas na eficiência.

Quando isso veio para o Brasil?
Em 2008, ajudei a elaborar o plano “Copa Verde”. Posteriormente, envolvemos órgãos como o Green Building Council Brasil (GBC Brasil) e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que acabou por vincular o financiamento para a construção de estádios à obtenção dos certificados. Mas queríamos que o banco desse condições mais favoráveis de acordo com a graduação do certificado. 

Mas não foi isso que ocorreu.
Infelizmente não. Se você parte para uma graduação básica, os investimentos são muito menores. O BNDES preferiu fazer um pacotaço e oferecer até R$ 400 milhões para quem conseguisse qualquer nível de certificação. O que aconteceu com isso? Todo mundo foi para o básico.

O que diferencia os graus de certificado? 
Os 10 pré-requisitos são os mesmos para todos os certificados (simples, silver, gold e platinum). Com 20% de economia você consegue um certificado básico. Uma redução de 30% a 40% gera mais pontos e vai mudando a categoria. No caso do Mané Garrincha, todas as reduções são acima de 50%. O pulo que pretendemos fazer do gold para o platinum, que são quase 20 pontos, deve ser obtido na geração de energia solar.

Como funciona o processo de certificação?
Há vários pré-requisitos, começando pela escolha do terreno adequado. Se eles forem cumpridos, é necessário, então, gerar um modelo energético (isso porque, ao contrário de uma residência, não há como comparar um estádio com outro). O projeto e a obra recebem pontuações em categorias como reciclagem de resíduos, eficiência energética, economia de água etc. São dez itens. Durante a fase de projetos, você tem um agente de comissionamento que verifica se os sistemas projetados realmente economizam. Com a obra pronta, há uma avaliação para determinar qual grau de certificado será dado ao edifício.

Como estão as negociações para a geração de energia no estádio?
Graças ao projeto do Mané Garrincha, conseguimos uma lei para troca de energia. O Leed (Leadership in Energy and Environmental Design) só certifica se você puder vender o excedente que gera. Foi um parto mudar isso. Conseguimos uma lei federal de compensação que prevê mais ou menos o seguinte: se você gera energia na sua casa de campo, o excedente pode ser compensado na sua residência em São Paulo. Ou seja, o gerador particular de energia não pode vender o excedente, apenas trocá-lo.

Quanto o Mané Garrincha vai gerar?
Você gera 2,5 MW, o equivalente a mais de duas mil residências. O estádio tem sobra de energia, já que o pico de consumo ocorrerá durante os eventos e no horário noturno. Os escritórios, por exemplo, não têm iluminação ligada durante o dia por causa da iluminação eficiente.

Foi difícil convencer as construtoras?
Para a construtora tudo é preço. Se eu vou gastar mais, estou diminuindo o lucro. Mas elas começaram a entender que não existe valor mensurável para a exposição gerada por esses projetos. A Andrade Gutierrez é uma construtora muito conceituada, mas não tinha no portfólio um projeto com certificação Leed. Agora vai poder mostrar isso para o mundo inteiro num evento midiático como a Copa do Mundo.

Fonte: http://www.portal2014.org.br/noticias/9868/O+CONCEITO+DE+ARENA+E+PURO+MARKETING+DIZ+ARQUITETO+DA+COPA.html

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