Autor do novo Mané Garrincha fala também sobre sustentabilidade na arquitetura esportiva
Por Rafael Massimino
Existe diferença conceitual entre as arenas que estão em construção para a Copa e os estádios existentes no Brasil?
Nenhuma. Na verdade, foi durante a Copa dos EUA, em 1994, que os estádios começaram a ser chamados de arenas. Minha teoria é que o pessoal de marketing passou a usar esse nome para vender o produto de um modo diferente e arrecadar mais anunciantes. Mas é exatamente o mesmo produto.
Mas a arquitetura de estádios evoluiu desde 1994, certo?
Sim, e principalmente por causa das Copas, que lançam tendências. Nos EUA, ocorreu a adaptação dos estádios de futebol americano para o soccer. Já a França criou um produto novo, o estádio multiuso, com arquibancada retrátil que cobre a pista de atletismo. A Coreia e o Japão construíram estádios tecnológicos: sai o campo, gira a cobertura, abre e fecha. Na Alemanha, ganhou destaque a tradição da eficiência, e foi também a introdução de alguns conceitos verdes nos projetos.
E a África do Sul?
Apesar dessa evolução no conceito dos estádios, apenas a África do Sul não teve inovação. Simplesmente importaram projetos alemães.
Os estádios brasileiros terão qual diferencial?
Os 12 estádios da Copa terão certificado de construção sustentável. Essa é a nossa inovação. Quando se analisa o calendário mundial, vemos que isso estava na ordem do dia. Desde a ECO-92 até a Rio+20, o Brasil sempre teve papel destacado nas discussões sobre economia sustentável. A Copa e a Olimpíada foram os cenários ideais para introduzir esses conceitos na arquitetura esportiva.
Quando começou esse processo?
Por iniciativa dos alemães, a Fifa acabou criando o programa Green Goal. Recomendava redução do consumo de água, algo sobre geração de energia, mas no geral era muito básico. Para se ter uma ideia, o grande legado sustentável da Copa de 2006 foi a implantação de um programa de gerenciamento de resíduos no Allianz Arena.
De 2006 para cá já se foram seis anos sem estádios certificados. O que aconteceu nesse meio tempo?
Um exemplo que não foi muito positivo é a Olimpíada de Pequim. O Ninho de Pássaro tem placas fotovoltaicas, mas a energia gerada é ínfima perto do impacto do estádio. Alguma montanha na Austrália foi botada abaixo para extrair todo o minério necessário para a construção. A energia embutida naquele estádio é muito grande.
Usaram a sustentabilidade para fazer marketing?
A expressão correta é green wash, ou “verniz verde” em português. Está na moda dizer que meu estádio é verde, então vou inventar uma história. Mas se analisar a linha de produção não tem nada de verde. A base da concepção daquilo foi mostrar para o mundo um símbolo de poder econômico da China. A estrutura é esteticamente muito bonita. Mas foi quando comecei a perceber que a beleza não estava mais na extravagância das coisas, mas na eficiência.
Quando isso veio para o Brasil?
Em 2008, ajudei a elaborar o plano “Copa Verde”. Posteriormente, envolvemos órgãos como o Green Building Council Brasil (GBC Brasil) e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que acabou por vincular o financiamento para a construção de estádios à obtenção dos certificados. Mas queríamos que o banco desse condições mais favoráveis de acordo com a graduação do certificado.
Mas não foi isso que ocorreu.
Infelizmente não. Se você parte para uma graduação básica, os investimentos são muito menores. O BNDES preferiu fazer um pacotaço e oferecer até R$ 400 milhões para quem conseguisse qualquer nível de certificação. O que aconteceu com isso? Todo mundo foi para o básico.
O que diferencia os graus de certificado?
Os 10 pré-requisitos são os mesmos para todos os certificados (simples, silver, gold e platinum). Com 20% de economia você consegue um certificado básico. Uma redução de 30% a 40% gera mais pontos e vai mudando a categoria. No caso do Mané Garrincha, todas as reduções são acima de 50%. O pulo que pretendemos fazer do gold para o platinum, que são quase 20 pontos, deve ser obtido na geração de energia solar.
Como funciona o processo de certificação?
Há vários pré-requisitos, começando pela escolha do terreno adequado. Se eles forem cumpridos, é necessário, então, gerar um modelo energético (isso porque, ao contrário de uma residência, não há como comparar um estádio com outro). O projeto e a obra recebem pontuações em categorias como reciclagem de resíduos, eficiência energética, economia de água etc. São dez itens. Durante a fase de projetos, você tem um agente de comissionamento que verifica se os sistemas projetados realmente economizam. Com a obra pronta, há uma avaliação para determinar qual grau de certificado será dado ao edifício.
Como estão as negociações para a geração de energia no estádio?
Graças ao projeto do Mané Garrincha, conseguimos uma lei para troca de energia. O Leed (Leadership in Energy and Environmental Design) só certifica se você puder vender o excedente que gera. Foi um parto mudar isso. Conseguimos uma lei federal de compensação que prevê mais ou menos o seguinte: se você gera energia na sua casa de campo, o excedente pode ser compensado na sua residência em São Paulo. Ou seja, o gerador particular de energia não pode vender o excedente, apenas trocá-lo.
Quanto o Mané Garrincha vai gerar?
Você gera 2,5 MW, o equivalente a mais de duas mil residências. O estádio tem sobra de energia, já que o pico de consumo ocorrerá durante os eventos e no horário noturno. Os escritórios, por exemplo, não têm iluminação ligada durante o dia por causa da iluminação eficiente.
Foi difícil convencer as construtoras?
Para a construtora tudo é preço. Se eu vou gastar mais, estou diminuindo o lucro. Mas elas começaram a entender que não existe valor mensurável para a exposição gerada por esses projetos. A Andrade Gutierrez é uma construtora muito conceituada, mas não tinha no portfólio um projeto com certificação Leed. Agora vai poder mostrar isso para o mundo inteiro num evento midiático como a Copa do Mundo.
Fonte: http://www.portal2014.org.br/noticias/9868/O+CONCEITO+DE+ARENA+E+PURO+MARKETING+DIZ+ARQUITETO+DA+COPA.html
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