O organizador dos Jogos de Londres afirma que o grande público precisa ser atraído para a Rio-2016. “O espírito olímpico é tão importante quanto as obras”
Por MAURÍCIO MEIRELES
O britânico Sebastian Coe sabe vencer em Olimpíadas. Das de 1980 e 1984, saiu com um total de quatro medalhas, duas de ouro e duas de prata, nas provas de 1.500 metros e 800 metros rasos. Foi o suficiente para que se tornasse um dos maiores corredores da história. Mais tarde, ganhou o título de Lord Coe e assumiu o comando dos Jogos de 2012, em Londres. Voltou a vencer. O sucesso da Olimpíada londrina foi unânime, da qualidade das instalações à eficiência do transporte público, passando pelo entusiasmo do público. Em visita ao Rio de Janeiro há duas semanas, para transferir oficialmente a sede olímpica, Coe, de 56 anos, disse a ÉPOCA que a capital fluminense pode realizar melhorias semelhantes às de Londres. “Fizemos em sete anos o que levaria 50.”
ÉPOCA – Rio de Janeiro e Londres são cidades muito diferentes. Que lições o Rio pode aprender com a Olimpíada de 2012?
Sebastian Coe – Sim, são muito diferentes. Mas ambas têm como foco principal na organização dos Jogos um objetivo bem parecido: usar as Olimpíadas para inspirar jovens a usar o esporte para mudar suas vidas. Sei que isso funciona. Carlos (Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro) também. Já trabalhamos juntos em projetos com esporte e vimos dar certo. Na cidade onde os implantamos, o esporte ajudou os jovens a reencontrar a autoestima e a melhorar seu desempenho escolar. Em Londres, isso ficou mais claro com a transformação da região leste.
ÉPOCA – Que tipos de transformações de Londres servem de inspiração para o projeto brasileiro?
Coe – Várias áreas pouco desenvolvidas foram recuperadas. Os índices de desemprego nelas caíram drasticamente. O mesmo aconteceu com o problema habitacional e os locais contaminados pela poluição. Fizemos em sete anos o que, de outro modo, teríamos levado 50 anos para realizar sem a ajuda dos Jogos. Temos locais para novas comunidades morarem, porque é nisso que a vila olímpica será transformada. Há instalações de alta qualidade que não existiam antes e servirão para sediar outras competições. É uma contribuição importante para a prática de esportes no país. Além disso, há o óbvio: as Olimpíadas geraram muitos empregos.
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ÉPOCA – Há algumas semanas, o senhor mesmo disse que estava insatisfeito com as políticas para esporte nas escolas depois dos Jogos. Que erro foi esse? Como o Brasil pode evitá-lo?
Coe – Tudo o que entregamos nas Olimpíadas foi fruto de boas parcerias. Nenhum comitê sozinho consegue preparar os Jogos. Claro que o fardo maior recai sobre os organizadores. Mas eles precisam se associar às autoridades locais e nacionais, às agências reguladoras e às empresas. Minha reclamação é que um dos principais aspectos relativos ao legado olímpico, o envolvimento dos jovens com a prática esportiva e uma vida mais saudável, foi tratado como uma briga política – e não deveria. Depois dos Jogos, o legado deve ser tratado como uma questão prática.
ÉPOCA – Uma das reclamações em relação às Olimpíadas é que as obras necessárias são pagas pelos contribuintes, mas os ingressos são caros. O que pode ser feito em relação aos preços?
Coe – Tínhamos três objetivos. O primeiro, claro, era lotar nossas instalações esportivas com fãs do esporte. E conseguimos: 75% dos ingressos foram vendidos ao público britânico, o que consideramos muito importante. Outro ponto foi conseguir uma estrutura com preços acessíveis, o que também funcionou: 2,5 milhões de ingressos foram vendidos a 20 libras (cerca de R$ 70). Dois terços do total foram vendidos a 50 libras ou menos. Só um em cada dez ingressos custou mais de 100 libras. Qualquer outro tipo de entretenimento – ópera, boliche, futebol americano ou um show dos Rolling Stones – costuma ser mais caro que isso. É bom lembrar que o comitê organizador é uma instituição privada. Precisamos criar um modo de gerar faturamento, já que um quarto dele vem da bilheteria. Nosso segredo, que pode ficar como lição, foi ter atrelado a cada ingresso certa individualidade, quando, antes de as vendas começarem, consultamos o público para saber quanto ele gostaria de pagar por quais lugares. Ao todo, 1,9 milhão de pessoas se inscreveram para comprar quase 24 milhões de ingressos. A procura foi extraordinária. É um ótimo problema, mas cria vários desafios para o comitê organizador.
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ÉPOCA – Isso pode funcionar no Brasil?
Coe – O Brasil terá de encontrar sua própria política de preço. Mas esses objetivos de que falei são os três importantes para qualquer lugar do mundo. Caso contrário, os locais de competição não ficarão lotados, algo essencial para criar a atmosfera olímpica. O espírito olímpico é tão importante quanto as obras. Também é preciso dar oportunidade para as pessoas que ganham pouco assistir às competições. Mas, como comitê organizador, é preciso ganhar dinheiro. É preciso encontrar um equilíbrio.
ÉPOCA – Sobre a presença do público, uma preocupação é lotar esportes menos populares. Como isso pode ser feito?
Coe – Há esportes aos quais os brasileiros ficarão loucos para assistir. Não serão sempre os mesmos que o público britânico gostaria de ver. O judô, por exemplo, é bem mais popular aqui do que na Grã-Bretanha. O importante é se preparar. Quando sentamos para olhar nossa venda de ingressos em Londres, vimos que não havíamos vendido um único ingresso para as partidas de handebol antes dos Jogos. Quando chegou perto, vendemos 278 mil ingressos, porque trabalhamos próximos aos órgãos governamentais. Tentamos encorajar, com programas nas escolas, a popularização de esportes não tão famosos. Há quatro anos, visitei uma região de Londres onde quatro escolas se uniram para contratar um professor de handebol. Meu conselho a outros comitês organizadores é simples: não desanimem diante de esportes que não parecem tão famosos. É uma ótima oportunidade para apresentar crianças e jovens a esportes que eles podem jamais ter sonhado praticar. É um ponto importante do legado olímpico.
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ÉPOCA – Algumas pessoas ficam céticas em relação às grandes construções realizadas para os Jogos. Acham que não haverá procura depois que as Olimpíadas passarem. O que pode ser feito para evitar esse problema?
Coe – Seguimos um padrão claro. Tentamos usar o máximo possível os espaços já existentes que pudessem ser transformados para receber competições. Também precisamos construir espaços permanentes que não existiam no país. Não tínhamos uma pista de corrida adequada, também não tínhamos um espaço para esportes aquáticos. Meu conselho é: só construa espaços novos e permanentes se houver chance de aquilo ser aproveitado depois. Se sua instalação não se encaixa nisso, faça construções temporárias. Depois, elas serão desmontadas completamente ou em parte. Ou serão emprestadas ou doadas.
ÉPOCA – As Olimpíadas são patrocinadas por uma rede de fast-food, o McDonald’s, e marcas de refrigerantes, tidos como opostos a uma vida saudável. Isso não é uma contradição?
Coe – O McDonald’s é o principal patrocinador global das Olimpíadas. Foram ótimos parceiros, estão envolvidos com o Comitê Olímpico Internacional desde 1976 e investem em projetos esportivos. Não vejo contradição. Se a estratégia para a venda de comida for feita corretamente, como foi em Londres, os sanduíches do McDonald’s não serão a única refeição disponível. Tivemos espaço para comidas tradicionais do Reino Unido. O McDonald’s também patrocinará os Jogos do Rio, e o mesmo pode ser feito aqui.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/12/sebastian-coe-lotar-os-estadios-e-essencial.html
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