A partir de uma campanha para estimular a paixão do torcedor pelo time na sua pior hora - o rebaixamento em 2007 -, o clube virou uma máquina de fazer dinheiro com a comercialização de sua marca registrada
Quem não sabia ficou sabendo: fora de seu contexto mais convencional, o religioso, The Almighty (O Todo-Poderoso) é o Corinthians. A informação veio de Londres, onde a patrocinadora Nike fincou, a 2 quilômetros do estádio do então provável rival Chelsea, um outdoor com o título em inglês, o escudo e, em português, a frase "Aqui é Corinthians". Pode não fazer muito sentido, mas passou a mensagem: o título conquistado no Japão é a grande chance de o time avançar várias casas no tabuleiro das iniciativas de marketing que pretendem transformá-lo numa marca reconhecida no mundo inteiro. Valiosa ela já é: calculada neste ano em pouco mais de 1 bilhão de reais, ocupa o primeiro lugar entre os clubes brasileiros. A valorização é recente - até poucos anos atrás, nenhum cartola pensava na possibilidade de o clube ganhar dinheiro com a marca Corinthians. Quem comandou a reviravolta foi Luís Paulo Rosenberg, hoje vice-presidente do Corinthians, que em 2007 era diretor de marketing e enxergou potencial na hora da maior desgraça: o rebaixamento para a série B do Campeonato Brasileiro. "Em vez de xingar e partir para a violência, a torcida no estádio cantou ‘Nunca vou te abandonar porque eu te amo’. Fiquei muito impressionado", lembra Rosenberg. Na mesma hora, pediu e obteve liberação da Nike para produzir por conta própria uma camiseta com a frase e encomendou um lote inicial de 6.000 unidades. Poucos meses depois, mais de 1,2 milhão delas tinham sido vendidas. "Aquela camiseta serviu de lenço para a gente chorar", justifica. Para ele, foi o início de uma revolução baseada na constatação que estava à vista de todos, mas da qual ninguém tinha até então tirado partido, e que Rosenberg, um frasista emérito, resume assim: "Nosso DNA não é o craque. Nosso DNA é a admiração que a Fiel tem por si mesma".
A diretoria de marketing do clube se pôs então a explorar a ideia de que o torcedor da Fiel precisava apoiar o momento frágil da equipe e exibir esse apoio de todas as formas. "Trata-se de um tipo de estratégia que só funciona no futebol. Qualquer marca se prejudica quando o momento não é bom, mas no esporte é diferente", explica Erich Beting, dono de uma empresa pioneira no monitoramento de negócios no mundo esportivo. O resultado começou a aparecer já na negociação do patrocínio do time na série B. O contrato com a Sansung previa uma redução pela metade no valor total do patrocínio em caso de queda; o clube recusou e fechou com a Medial por 18 milhões de reais - 50% mais do que tinha ganho no ano anterior e 2 milhões a mais do que recebeu, na série A, o Flamengo, time com a maior torcida do país. E tome manifestação de amor e orgulho da torcida pelo rebaixado Timão. Criou-se, ainda em 2008, o programa Fiel Torcedor, a partir da óbvia percepção de que quem vai ao estádio apoiar o time deve ser mimado, em vez de passar por constrangimentos. O clube instituiu um sistema de fidelização baseado na aquisição de ingressos antecipados pela internet e na concessão de vantagens para os torcedores mais assíduos. Reclamação que comprova o sucesso: nos jogos mais concorridos, o site saía do ar por excesso de acessos. "Eles se preocuparam em priorizar e atender o torcedor, o que foi uma revolução na maneira de fazer o marketing esportivo", diz Beting.
Outra ação destinada a capitalizar a cultura do universo corintiano, com perdão da expressão acadêmica, foi levar a Fiel ao cinema. Já foram produzidos quatro documentários sobre diferentes façanhas do time - inclusive sobre o rebaixamento e o maior jejum de títulos da história do clube, um tipo de orgulho que diz muito sobre a essência dessa cultura. Outros três estão sendo produzidos, um deles justamente sobre o Mundial no Japão. A venda de produtos licenciados deu um salto quando, também em 2008, foi inaugurada a primeira loja Poderoso Timão, rede que vende roupas e objetos com a marca Corinthians. "O clube foi aprendendo a comercializar a paixão do torcedor, cada vez mais consumidor, sem agredir o amor pelo time", observa Beting. A rede, que hoje está espalhada por vários estados, mostra a postura que Rosenberg incutiu no marketing do clube. O Corinthians fica com 7% do lucro gerado pelas vendas, sem gastar um tostão nem com a fabricação dos produtos, nem com a manutenção e administração das lojas. Segundo um vice-presidente que já foi diretor de marketing, existem doze fábricas na China trabalhando exclusivamente para confeccionar os artigos vendidos na Poderoso Timão. Há dois meses, a empresa de decoração de interiores Think Surface, de São Paulo, lançou a Futebol Designers, uma linha inspirada no time do Parque São Jorge e voltada, vejam só, para as classes A e B. Sua intenção declarada é oferecer papel de parede, quadros, cortinas, luminárias e almofadas com alguma referência ao Corinthians (que leva de 7% a 10% do faturamento), mas preservando o bom gosto. "Nossa proposta é desconstruir o logo e o escudo do time e utilizar apenas algumas partes dele", diz o diretor de marketing, Alan Edelstein. Outros times entrarão no catálogo, mas o Corinthians foi escolhido para abrir a fila. "Fizemos pesquisas com várias torcidas, e o corintiano é o mais disposto a gastar com seu time. Hoje, ninguém está mais apaixonado e orgulhoso do que a Fiel", explica Edelstein.
A mesma filosofia de ganhar sem gastar foi utilizada na concretização de uma façanha: a contratação, por um time recém-rebaixado, de um dos maiores jogadores de todos os tempos. Graças a uma intrincada soma de ações de marketing, Ronaldo Fenômeno passou dois anos no Corinthians. "O projeto era muito bacana. Uma ação de médio prazo, mas que teria resultados ótimos logo de cara. Eu queria muito voltar ao futebol e era o momento certo", explica o jogador. Financeiramente, foi bom para ambas as partes: Ronaldo ganhou dinheiro e o Corinthians não desembolsou nada. Rosenberg conta que, ao sondar a possibilidade de contratação de Ronaldo, ouviu do representante dele, Fabiano Farah, que o Fenômeno viria por 2 milhões de reais por mês, o equivalente a uma proposta que tinha recebido de um time árabe. "Quando consegui parar de rir, perguntei para o Farah: você acredita que juntar Corinthians e Ronaldo vai dar algo explosivo?", relata. Diante da resposta afirmativa, fez a contraproposta: 400 mil reais mensais pagos pelo Corinthians, mais 80% do patrocínio da manga, omoplata e barra da camisa de jogo. Além disso, o jogador ficaria com 100% do seu direito de imagem, ou seja, não repassaria nada do que recebesse em campanhas publicitárias. O total chegava perto dos 2 milhões pedidos, com a vantagem de que a parte devida pelo Corinthians sairia integralmente dos 20% que lhe cabiam no patrocínio da camisa. O esforço para valorizar a marca se estende a parcerias firmadas com estrelas de outros esportes: Anderson Silva e Cigano, do MMA, Mineirinho, do surfe, e Thiago Pereira, o nadador olímpico, são todos atletas corintianos.
Rosenberg credita a virada mercadológica do clube à queda do presidente Alberto Dualib, que classifica de "um ditador" insensível a medidas de modernização. "Perguntam se nosso maior sucesso é o título da Libertadores ou o estádio novo. Eu digo que, para mim, é o nível de autoestima do torcedor. Nunca vi a Fiel tão feliz", afirma. A meta agora é fazer o mundo torcer pelo Corinthians. Lojas de vários países começam a vender a camisa do Timão, sobretudo na Ásia, onde os times são fracos, a população tem dinheiro e os torcedores costumam acolher bem equipes estrangeiras - quase sempre europeias, é verdade, mas Rosenberg tem certeza de que isso vai mudar. O chinês Zizao, contratado no ano passado exatamente para atrair fãs asiáticos, será a estrela de um programa semanal numa emissora chinesa em 2013. Rosenberg está confiante. "Em uma década, seremos maiores que o Barça", profetiza. Típico de time Almighty.
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/o-marketing-bom-de-bola-do-corinthians-campeao
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