Numa fábrica perto de Veneza são fabricadas as chuteiras usadas pelos grandes craques
Por Miguel Caballero
MONTEBELLUNA — O pé do atacante sueco Ibrahimovic tem quase o dobro do tamanho do pé do lateral brasileiro Roberto Carlos. O marfinense Drogba ostenta dois grandiosos joanetes no pé direito, enquanto o dorso mais elevado dos pés do volante italiano Gattuso faz com que ele pareça caminhar sobre duas caixas, o que deve aumentar o impacto nas habituais entradas duras nos adversários. Os de Neymar e de Ronaldinho Gaúcho têm formato parecido, embora os do craque moicano sejam um pouco mais finos.
É necessário que estes moldes de plástico que repousam numa pequena estante de madeira num galpão da cidade italiana de Montebelluna reproduzam exatamente o formato dos pés dos grandes jogadores. É a partir deles que verdadeiros artesãos como o italiano Renato Michielon fabricam, sob medida, e quase manualmente — apenas com o auxílio de máquinas de prensa e de costura, além de colas especiais — as ferramentas de trabalho de craques como Neymar, Cristiano Ronaldo, Puyol, Drogba, Ronaldinho, Sneijder e muitos outros.
— É uma honra para quem gosta de futebol e trabalha com isso ver as chuteiras que passaram pelas suas mãos fazer os gols mais bonitos que a gente vê. Muitas jogadas começam nas minhas mãos — brinca Michielon.
Montebelluna é uma cidadezinha de 30 mil habitantes a 30 minutos de carro de Veneza, numa região da Itália com tradição na produção de calçados. Foi ali que a Nike montou uma pequena fábrica dedicada exclusivamente a produzir as chuteiras que serão usadas pela sua primeira linha de craques. Afixado em cortiça numa das paredes do galpão, estava exposto na semana passada o último pedido de Ronaldinho Gaúcho, enviado do Brasil. Já anotado como jogador do Atlético-MG, constavam do papel o tamanho da chuteira e os pedidos para que fossem em preto e branco e apenas com a inscrição “R 10”. O número de pares enviados a Belo Horizonte dá a dimensão da exclusividade do trabalho feito ali: apenas dois.
A orientação fenomenal
Ronaldinho já foi o grande nome da Nike, posto hoje ocupado pelo seu xará português, mas a grande referência continua sendo o Ronaldo mais antigo, já aposentado. Há pouco menos de 20 anos, uma frase dita pelo Fenômeno norteia até hoje o processo de fabricação das chuteiras para jogadores de ponta. Até então, acreditava-se que uma chuteira deveria ser o mais confortável e acolchoada possível. Perguntado sobre como gostaria de ter um calçado produzido para ele jogar, Ronaldo foi claro aos executivos e artesãos da empresa: “se possível, gostaria de jogar descalço e com travas nas solas dos meus pés”.
Desde então, leveza e sensibilidade ao contato com a bola são predicados fundamentais para as chuteiras de primeiro nível. Com o avanço tecnológico, hoje cada chuteira é feita sob medida para o pé de cada um, e a cada modelo há uma inovação lançada, seja em design ou nos materiais usados, evitando pepinos como a bolha que maltratou Ronaldo durante a Copa de 2006.
Além de atender a pedidos sobre as chuteiras e pagar salários milionários para ter craques como garotos-propaganda, mimar seus jogadores é primordial. É aí que entra em campo Mauro Bianchin, um bonachão italiano que faz a ponte entre a pequena fábrica de Montebelluna e os jogadores. Houve um problema com uma trava, rasgou-se uma chuteira, é necessário fazer uma substituição, Mauro pega um avião e se desloca pela Europa atrás dos craques. Virou amigo de muitos e coleciona histórias.
— Uma vez fui a Madri levar um chuteira a Ronnie. Passavam Figo, Raúl, Roberto Carlos, ele foi o último a sair do CT. Quando me viu, gritou meu nome, exigiu que eu jantasse e saísse com ele, mas eu tinha que voltar para a Itália. Nem se lembrava da chuteira que tinha pedido — diverte-se Mauro, contando que atender aos supercraques é sempre prioridade número um. — Se, por exemplo, o Cristiano Ronaldo liga pedindo uma chuteira nova, a gente para tudo na fábrica e ela fica pronta em um dia.
Homenagens na chuteira
Foi a falta deste cuidado a mais com as estrelas que fez a Nike sofrer sua principal derrota neste mercado, há seis anos. Em 2006, Lionel Messi trocou a fornecedora pela rival Adidas. À época, seu pai vinha alertando a empresa americana de que havia o interesse da concorrente alemã. A Nike confiava no contrato que tinha ainda alguns anos de duração, e não quis tratar da renovação. A Adidas acabou levando o melhor jogador do mundo, e dificilmente o perderá. Hoje, a Nike aposta em Cristiano Ronaldo no mercado europeu e Neymar para o Brasil, sede da próxima Copa do Mundo.
Eles têm o atendimento mais estelar, mas todos os jogadores de primeiro nível possuem chuteiras personalizadas. A maioria pede a inscrição de seus nomes, ou de familiares, no calçado. Mensagens religiosas e logomarcas são vetadas. Um pedido do zagueiro do Barcelona Puyol para homenagear em sua chuteira o jovem jogador do Bétis Miki Roqué, que morreu aos 23 anos, é lembrado pelos funcionários do galpão.
* O repórter viajou a convite da Nike
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/esportes/quando-futebol-encontra-alta-costura-na-italia-5480147#ixzz20jl9b71z
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