Imóvel centenário na Tijuca passa às mãos do poder público, mas o clube de futebol, que será indenizado, continua no terreno
Por Simone Candida e João Máximo
RIO - O fantasma do despejo deixou de rondar a sede do América Football Club. Por considerar a agremiação esportiva da Tijuca de grande importância histórica para a cidade, o prefeito Eduardo Paes decretou nesta terça-feira o tombamento definitivo do imóvel centenário da Rua Campos Sales 118. Paes, que já havia tombado provisoriamente o prédio em fevereiro de 2010, assinou mais dois decretos que vão impedir a sua descaracterização: um de uso e ocupação, que restringe a utilização da construção para fins esportivos, recreativos e de lazer, e outro que declara a edificação de utilidade pública para fins de desapropriação. Segundo a prefeitura, a sede do América passará para as mãos do poder público, que indenizará o time num valor ainda a ser definido. O clube, no entanto, permanecerá no terreno.
No decreto de tombamento, o prefeito justifica que o “América Football Club é um dos clubes mais tradicionais do Rio de Janeiro e foi a inspiração de nome para todos os outros ‘Américas’ do Brasil”.
— O que eu fiz foi o necessário para evitar o leilão. Agora, vamos estudar a melhor alternativa para o América — afirmou Paes.
Com dívidas que somam R$ 21 milhões (R$ 5 milhões só de causas trabalhistas e R$ 1,2 milhão em contas da Cedae), o clube vem tentando sanear o caixa, segundo o presidente Vinicius Cordeiro. Ele diz que, a partir de agora, terá novo fôlego para reerguer o América, que atualmente joga na série B do Campeonato Estadual:
— O prefeito Eduardo Paes soube da situação, ficou sensibilizado e decidiu ajudar o clube com o tombamento. Vencemos mais uma batalha, mas ainda temos muito pela frente .
Segundo Cordeiro, a sede seria leiloada por causa de uma dívida de R$ 938 mil contraída entre 1997 e1999, por determinação da 6 Vara de Fazenda Pública do Rio. Já as dívidas previdenciárias de 2006 a 2011 foram pagas, e o clube está negociando outras. De acordo com o presidente, a solução de leiloar o imóvel, avaliado em R$ 20 milhões, para pagar a dívida de R$ 938 mil não foi aceita pela Justiça porque, no passado, outras administrações tinham negociado parcelamentos e não cumpriram o acordo. Ainda segundo Cordeiro, nos últimos 12 meses o clube tem feito melhorias na sede e reabriu escolinhas de esporte e o teatro.
— Vamos receber entre R$ 16 milhões e R$ 20 milhões de uma ação na Justiça contra a Eletrobrás por conta de patrocínio. Já ganhamos a causa e só estamos aguardando a execução. Pretendemos pagar nossas dívidas — garante, acrescentando que no último ano o número de sócios passou de 412 para 900.
O América foi fundado em 1904, a partir de uma cisão no Clube Atlético da Tijuca. Sua primeira partida oficial aconteceu em 6 de agosto de 1905, num amistoso com o Bangu Atlético Clube. A sede principal está no mesmo endereço há 101 anos. Ali ficava o primeiro estádio do clube, que teve capacidade para 25 mil espectadores. Em 1993, o terreno do campo de treinamento do América, no Andaraí, foi vendido e, com o dinheiro, o clube construiu um novo estádio em Édson Passos, na Baixada Fluminense. O último título conquistado pelo clube foi em 1982.
‘Torcer, torcer, torcer até morrer’
O América já foi o segundo clube de todo mundo e, antes disso, o primeiro de muita gente. Numa época em que os clubes de futebol realmente representavam o bairro onde tinham sua sede, a maioria dos tijucanos torcia por ele. Pela simpatia, pelo carisma e por algumas lendas que fazem do futebol a mais encantadora das mitologias brasileiras. Um exemplo: Belford Duarte. Aos olhos do torcedor de hoje, parece impossível ter existido um jogador de futebol capaz de confessar ao árbitro que realmente cometera um pênalti que o árbitro não vira. Ética assim vale mais do que o prêmio que passou a ter seu nome, dado aos cada vez mais raros jogadores de bom comportamento.
Quando ganhou o Campeonato Carioca de 1922, tornando-se o “campeão do centenário”, o América era presidido por um senhor elegante, distinto como Belfort Duarte, que morreria num desastre de trem. Seu nome: Raul Meirelles Reis. Tinha um filho muito inteligente, América também, com passagem pela linha média do time de juvenis. Seu nome: Mário Reis. Pois o cantor famoso, que criou o modo brasileiro de cantar, 30 anos antes de João Gilberto, foi dos mais ilustres e apaixonados torcedores do clube. Tanto ou mais até seu grande amigo Lamartine Babo, autor do hino do clube, aquele em que promete torcer, torcer, torcer até morrer, e que foi calcado numa canção americana de 1912. Ambos, não por coincidência, moradores da Tijuca. Depois, a ideia de bairro, de esquina, de moradores orgulhosos de onde vivem, foi se diluindo em meio ao crescimento da cidade. Mário Reis, por exemplo, foi morar no Copacabana Palace. E o próprio clube da Rua Campos Sales foi mudando de pouso. O América deixou de ser o primeiro clube de muita gente e, sofrendo no purgatório da segunda divisão carioca, talvez já não seja o segundo. Torçamos até morrer para que volte a ser.
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