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domingo, 1 de julho de 2012

Executivo espanhol analisa o mercado de venda de mídia no esporte

Por Guilherme Costa


Poucos segmentos mudaram tanto nos últimos anos como a comunicação. Seja por adventos tecnológicos, seja pela popularização de novas plataformas, o fato é que o modo de consumo de informações sofreu transformação radical. E o esporte não ficou incólume.

Recursos como mídias sociais transformaram o público em criador de conteúdo. A informação passou a ser apresentada em um número maior de meios, e isso acabou com o consumo em mão única.

“É algo bidirecional. Antigamente, havia apenas uma direção que podia ser percorrida por diversos canais. Isso mudou”, avalia o espanhol Javier Tola, diretor-executivo da agência Simply Sport.

Tola esteve no Brasil nesta semana para dar uma aula em um curso de MBA da Universidade Anhembi Morumbi. Além do trabalho na Simply Sport, o executivo foi convidado para falar sobre a experiência como diretor de esportes da TVE.

Nos dois cargos, Tola acompanhou a evolução e as mudanças do mercado. Em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, o executivo conta um pouco sobre como isso afetou a venda de direitos de mídia.

O bate-papo também permeia assuntos como venda coletiva de mídia, necessidade de foco no público consumidor e como a crise econômica da Espanha tem influenciado a audiência de eventos esportivos.

Leia a seguir a íntegra da entrevista:

Máquina do Esporte: Você veio para falar sobre venda de mídia. Existe um modelo ideal para esse tipo de venda ou é possível fazer de diferentes maneiras?
Javier Tola: Não existe um modelo certo. Não há nada fechado nem mesmo para cada esporte. Cada evento tem um modelo próprio. Agora mesmo, como o mundo e a tecnologia estão em transformação, os modelos precisam ser adaptados a essa nova realidade. Não existe apenas uma realidade, e por isso é absolutamente impossível pensar em um modelo único.

ME: O futebol brasileiro mudou o modelo de venda...
JT: Sim. Na Espanha, o futebol trabalha com venda individual.

ME: E os clubes ganham menos do que os da Premier League...
JT: O problema é: se eu visto a camisa dos clubes principais, que são Real Madrid e Barcelona, o modelo é interessante. Logicamente, eles são times que atraem público, audiência e patrocinadores. Então, o faturamento deles com a venda dos direitos é alto. Mas se eu visto a camisa das equipes pequenas, existe um problema. A diferença é muito grande, cada vez maior, entre os dois clubes principais e o restante. Isso implica em uma perda de competitividade para a liga, que está virando uma liga de duas equipes. Até certo ponto, isso vai sendo notado nas audiências, que passam a se interessar apenas pelas partidas de Real Madrid e Barcelona. Se a liga acaba em maio, em fevereiro você já sabe que vai dar um dos dois times. Os outros estão muito longe.

Até certo ponto, essa perda de competitividade se reflete na venda de direitos internacionais. Nesse quesito, a Premier League está muito mais avançada. Não deveria ser assim se levarmos em conta a importância esportiva, já que o nível dos dois campeonatos é bastante similar, mas a Premier League está em outra realidade econômica.

ME: Com os anos, é possível que essa diferença cause perda de patrocínios e consequente perda técnica?
JT: Não creio que em patrocínios se notará essa diferença. Minha opinião é que um sistema mais centralizado é mais justo, mas eu entendo que Real Madrid e Barcelona defendam o modelo atual.

Não obstante, os times restantes estão se mobilizando mais. Já há declarações do ministro dos Esportes da Espanha dizendo que esse modelo tem de mudar. Até certo ponto, existe até uma boa vontade de Real Madrid e Barcelona.

ME: E a venda de novas mídias? Os clubes devem fazer isso individualmente, de acordo com estratégias isoladas, ou precisam buscar um modelo coletivo?
JT: O que está claro sobre as novas mídias é que mudou radicalmente a forma de relação entre os meios e os proprietários dos direitos. Sobretudo, mudou muito a forma de se relacionar com as audiências jovens. Esse público vê conteúdo no celular e na internet, e esse conteúdo tem perfis bem diferentes. Basicamente, é isso que os clubes precisam fazer.

O clube precisa usar mídias sociais para manter contato com sócios e torcedores. Mas sobre exploração de direitos de transmissão nessas plataformas, não creio que seja algo para os clubes. É mais do dono dos direitos, que é capaz de oferecer conteúdos adaptados aos jovens, um público que quer ver o esporte a qualquer momento.

O esporte é tão grande que torna difícil competir com os direitos, mas você precisa ser capaz de dar valor agregado à transmissão. É preciso criar conteúdos específicos e novas formas de aumentar o interesse. Claramente, a tendência para os novos meios é essa.

ME: Com os novos meios, o público passou a ser também criador de conteúdo...
JT: A tendência não é oferecer algo, mas manter uma relação e uma conversação com o usuário final. É algo bidirecional. Antigamente, havia apenas uma direção que podia ser percorrida por diversos canais. Isso mudou.

ME: E como isso muda o modelo de transmissão do esporte na TV?
JT: O que a televisão precisa fazer é não ver seus conteúdos como um único canal. É necessário ser multimídia, e lançar os mesmos conteúdos em canais diferentes, como internet, tablet, celular, televisores...

ME: Mas com a mesma linguagem?
JT: Enquanto conteúdo, a linguagem e a transmissão puras não são tão importantes. A linguagem precisa se adaptar em todos os conteúdos específicos que você pode criar para cada plataforma. Aí sim é fundamental ter uma linguagem própria. Isso não acontece tanto na transmissão pura do evento.

Quando falamos de novos meios, o caminho tem de ser a criação de conteúdos específicos. Essa é a chave. Não podemos nos limitar ao mesmo que é emitido por outro canal, mas devemos desenvolver coisas especiais.

ME: Existe algum caminho para o esporte como produto de mídia? É possível evoluir em relação ao modelo que temos atualmente?
JT: Há duas coisas aí. Você se refere aos comentários ou à questão técnica?

ME: Ambos.
JT: Sobre os comentários, é necessário que algo fique extremamente claro. Se olharmos para os esportes, a faixa etária que acompanha alguns, como os X-Games, é de 25 anos ou menos na Espanha. O ciclismo interessa à audiência de 40 anos ou mais. A Fórmula 1, curiosamente, é mais jovem e atinge quem tem 35 para baixo. A MotoGP, de 45 para cima.

Tudo isso precisa ser considerado quando você vai montar uma transmissão. É importante saber para qual público você se dirige e utilizar uma linguagem condizente com isso.

Quanto ao tema técnico, o caminho é cada vez mais pensar em quem está do outro lado. Sobretudo explorando novos meios disponíveis, mas sempre pensando em dar mais qualidade. Mais câmeras, mais recursos e coisas que gerem mais interesse.

Mas o mais importante é pensar como um diretor. Você não precisa gostar do que está sendo transmitido ali, mas precisa atingir uma audiência específica e fazer algo que eles gostem.

ME: Os adventos tecnológicos e o foco no público mudam também a forma de vender direitos de mídia?
JT: Totalmente. Nós distribuímos conteúdo, e quando vamos a uma televisão precisamos saber exatamente o público-alvo dessa televisão. É totalmente diferente vender algo para um canal que busca o público de 25 a 40 anos ou para um canal para pessoas com 45 ou mais. O mesmo para a condição social.

ME: Portanto, podemos dizer que a venda de direitos esportivos não é apenas uma questão de dinheiro?
JT: Certamente. Você precisa otimizar o produto, e isso só é possível se ele estiver exposto em um canal cujo target tenha relação direta com o do produto. Dependendo do seu produto, há até a opção de novos canais. Se for ciclismo, por exemplo, há uma popularidade maior entre os mais velhos. Então, não há uma necessidade tão grande de uma campanha de internet ou a criação de um canal no Youtube. Mas isso é fundamental para os X-Games.

ME: Em competições universais como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, que abrangem uma fatia muito grande da população, como direcionar esse foco?
JT: Há certos eventos que são tão grandes e tão importantes que não faz tanta diferença o perfil do canal. Na Copa do Mundo, por exemplo, sabe-se que independentemente do perfil do canal a audiência vai ser muito boa. Há eventos que superam o canal.

A Copa do Mundo e a Eurocopa, por exemplo, mudaram de emissoras na Espanha. Algumas têm mais dinheiro no momento, outras não. O que tem acontecido é que os resultados são positivos. O futebol é muito grande, e está muito acima de questões técnicas.

ME: O futebol espanhol tem feito jogos em horários adequados para a venda de direitos de mídia a mercados emergentes. Essa relação entre venda de mídia e parte técnica é positiva ou a venda de mídia precisa se adaptar?
JT: Se você pagou muito pelos direitos de um evento, deve ser capaz de explorá-los da melhor forma possível. Claramente, colocar as partidas em horários diferentes, que preencham mais grade e não sejam concorrentes, é uma vantagem.

Por exemplo: a TV pública espanhola comprava direitos de torneios de tênis, mas exigia que Nadal jogasse às 20h. Era a hora que nos interessava, que tinha mais gente. Poder mudar isso é fundamental.

ME: Mas quem vende os direitos não pode brigar para ter um horário melhor na televisão? Os responsáveis pelo torneio de tênis podiam considerar mais interessante a faixa das 21h, por exemplo...
JT: Os donos dos direitos também querem que o conteúdo seja mais visto. Esse é um objetivo comum. O problema aqui não é tanto com a televisão, mas com os clubes. Durante muitos anos, todas as partidas na Espanha eram às 17h. Depois, algumas passaram a começar às 19h.

ME: No Brasil, em vários esportes há lutas entre clubes e TVs por espaços na grade. Os clubes brigam por faixas mais nobres. Quem deve ter prioridade nessa decisão?
JT: As televisões. São elas que colocam o dinheiro. Os clubes estão bem, e eu entendo que eles reclamem por ter menos gente no estádio ou na TV. Mas o esporte precisa se associar, e deve ser um privilégio das televisões decidir o horário.

ME: Com a crise, como tem sido a relação entre esporte e TV na Espanha? O número de telespectadores cresceu?
JT: A audiência está aumentando. Menos gente sai de casa, e o consumo diário de TV está aumentando.

ME: Isso pode acabar inflacionando o valor de venda dos direitos de mídia? O número de consumidores é maior...
JT: Em teoria sim. O problema é que o mercado publicitário diminuiu 30%. O bolo é menor. Você pode até gerar mais audiência, mas tem menos dinheiro a repartir.

Fonte: http://www.maquinadoesporte.com.br/i/entrevistas/view/0/310/Javier-Tola/index.php

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