Por Emerson Gonçalves
Um multi-patrocinador
Pouco antes do final do ano que recém-terminou, entrei no site de uma das empresas que patrocinam o futebol no Brasil e contei nada menos que 35 clubes tendo seus clubes de futebol por ela patrocinados, em diferentes divisões (mas devo ter pulado alguns, pois o número correto seria 39). Um número de causar espanto, sem dúvida. Desse total, nada menos que nove equipes disputavam a Série A do Campeonato Brasileiro, cinco das quais ostentando o chamado patrocínio máster ou principal.
Tal fato levou a situações interessantes – no sentido de despertar interesse, chamar a atenção – na competição, sobretudo em sua reta final, quando alguns jogos decisivos foram disputados por times com o mesmo financiador estampado em suas camisas. Um bom exemplo foi o clássico mineiro, na última rodada do torneio, que terminou com uma goleada tão implacável quanto surpreendente. Tirando esse aspecto surpreeendente, tal resultado para nada serviu a nenhum dos clubes, em termos concretos, é bom que se diga. Entretanto, um outro resultado em um outro jogo poderia ter causado profundas e intermináveis discussões, ancoradas por inúmeras teorias conspiratórias.
A empresa em questão é o Banco BMG, como bem sabem os leitores deste Olhar Crônico Esportivo, todos torcedores, boa parte de times com esse nome na camisa.
A princípio e por princípio, acredito que patrocínio de um clube deve ser único e isso em todos os sentidos. O único nome na camisa e o único patrocínio da empresa na mesma divisão, pelo menos, do esporte. Há motivos para pensar assim, pois, para mim, patrocinar uma equipe esportiva é criar uma parceria, um vínculo, uma identidade com princípios e filosofias, pois uma equipe está sujeita às vicissitudes das derrotas, tanto quanto às alegrias das conquistas. E compete ao parceiro, ao patrocinador, estar presente nos bons e maus momentos, mostrar a sua marca sempre, independentemente do que aconteça.
Porque empresas, como times, são para sempre e nós, humanos, apesar dos muitos que gostam e dos prazeres (muitos deles duvidosos) da prática “tico-tico-no-fubá”, no fundo, mesmo, gostamos das histórias “e todos viveram juntos e felizes para sempre”. É cultural e esse aspecto cultural tem raízes biológicas, fora as antropológicas.
A outra ponta de atuação do patrocinador
No caso em questão há outros pontos que surgem quando se pensa a respeito. No ano de 2010, o banco BMG foi, isoladamente, o principal financiador dos clubes brasileiros da Série A, mesmo considerando que muitos deles não discriminaram os nomes das instituições financeiras com as quais fizeram negócios em seus balanços. Esse fato levou o banco a estar presente, com força, em outros clubes além daqueles que ostentaram e ostentam seu nome na camisa.
Como foi dito no post “Como o mundo das finanças enxerga o futebol”, nossos clubes, em que pesem as boas condições atuais e dos últimos anos, graças à péssima gestão de que vêm sendo vítimas há anos e anos, apresentam condições econômico-financeiras muito ruins. Uma das consequências é um perfil cadastral muito fraco, melhor traduzido por péssima bancabilidade, como destacado no post citado: “Péssima bancabilidade e dificuldades para obter linhas de crédito de longo prazo: como consequência, as dívidas bancárias são fortemente concentradas em bancos de pequeno e médio porte, também chamados de segunda linha pelo mercado financeiro”.
Operar com instituições financeiras de pequeno e médio porte implica, na prática, em custos financeiros mais elevados. Isso acontece porque essas instituições, chamadas de segunda linha, costumam aceitar riscos maiores dos tomadores de dinheiro, em troca, naturalmente, de maiores taxas na concessão do mesmo, que é o pagamento pelo risco maior. Tudo absolutamente legal, legítimo e necessário para o mercado, disso não resta a menor dúvida. Só é bom deixar destacado, de forma repetida, que essas operações custam caro, bem mais caro que operações semelhantes com os bancos da chamada primeira linha, que, por sua vez, exigem cadastros com menores riscos – mesmo que os riscos sejam meramente teóricos (a vida nos ensina que para os bancos o “meramente teórico” é tomado como “praticamente certo de acontecer”).
No exercício 2010, considerando somente os clubes que abriram suas dívidas bancárias nos balanços (citando os nomes e valores devidos a diferentes instituições financeiras) e ainda o fato de terem sido analisados balanços de apenas metade dos clubes da Série A, encontramos a seguinte situação:
O Banco BMG, considerando a situação restrita já descrita, respondeu por nada menos que 43,8% das dívidas bancárias desses clubes. As instituições de segunda linha responderam por 76,6% do total dessas dívidas e, dentro dessa categoria, a participação do BMG foi de 57,2% do total.
Temos, portanto, uma situação em que uma mesma empresa atua em diferentes clubes e em diferentes pontas: paga como patrocinadora, empresta dinheiro e recebe taxas e juros por conta desses empréstimos.
Mais um detalhe: como as gestões de nossos clubes têm sido tenebrosas, repetindo-me incansável e aborrecidamente, todos têm necessidades urgentes de mais e mais dinheiro, seja para entrar e pagar contas, seja para rolar dívidas antigas que não conseguem pagar. Não vou alongar-me sobre o significado disso, pois para bom entendedor meia palavra basta.
Mais uma ponta de atuação do patrocinador
Na listagem de fundos de investimento da CVM encontramos o Soccer, um fundo de investimentos e participações, conhecido no mercado como Soccer BR1. Segundo nota da coluna Radar, da revista Veja em 9 de novembro último, o fundo tinha obtido 75% de valorização em suas cotas nos últimos doze meses, já tendo um patrimônio superior a 50 milhões de dólares. Outra matéria, bem ampla e completa sobre o banco feita pela revista Época – O dono do futebol – indicava que o fundo era dono parcial dos direitos de 60 atletas (a Veja apontava 80), parte dos quais registrada no Coimbra Esporte Clube, diminuto clube mineiro que, como diz a revista, seria “o melhor time do Brasil se não tivesse emprestado todo mundo”. Na convocação de Mano Menezes para o jogo contra a Argentina, cinco dos titulares eram jogadores ligados ao Coimbra ou ao Soccer ou ao BMG, como preferir: Danilo, Dedé, Paulinho, Ralf e Réver. E mais Montillo, pelo outro lado.
O crescimento da marca
Em meados de 2009 o BMG era somente a 92ª marca associada, de forma espontânea, ao futebol. Dois anos depois já era a 4ª marca mais associada, num crescimento tão espantoso quanto vertiginoso.
Em pouco tempo, a instituição começou a ser esquecida como o “banco do mensalão” (o grande escândalo político ainda por ser julgado, esperamos) ou o “banco dos aposentados” – é o maior operador dos empréstimos consignados – para começar a ser “o banco do futebol”, sem dúvida mais nobre e simpático, até porque significativa parte dos empréstimos consignados prestam-se a muitas coisas, exceto a servir aos seus pobres tomadores oficiais.
Essa nova imagem fica em linha com a campanha institucional – “O banco de milhões” – que a empresa manteve no ar por algum tempo, embora com baixa exposição.
Alinha-se, também, com mudanças na legislação e normas bancárias, que aumentaram fortemente a concorrência pelos empréstimos consignados, além de aumentar as exigências em torno da operação.
Com objetivos aparentemente alcançados, segundo a mesma coluna Radar, agora na edição corrente, é intenção do banco reduzir o número de patrocínios em 2013 para somente cinco clubes.
O cenário pretendido pelo banco, aparentemente, já foi alcançado. Mais que isso, tem uma posição fortemente consolidada no mercado do futebol, graças a um mix operacional aparentemente vantajoso para os clubes (só aparentemente, mas de extrema conveniência para gestões da qualidade que nossos clubes têm) e extremamente vantajoso para o banco, que acaba ganhando em todas as pontas possíveis e com um acréscimo muito interessante: a risco zero, em termos práticos. Efeito do balcão de negócios, nome que casa melhor com a realidade que o chique “mix operacional”.
Esse post descreve apenas uma parte do panorama dos patrocínios de clubes no Brasil.
Como já adiantei rapidamente em outros posts, há muito mito, há muita euforia e há, principalmente, muita ilusão em torno desse assunto. Imprensa, clubes e torcedores enchem os olhos com o “terceiro ou quarto patrocínio do mundo” atribuído ao Corinthians, o que por si só não é verdadeiro e não vai encontrar correspondência no futebol brasileiro hoje, como bem demonstram as situações do Flamengo e do São Paulo. Isso, contudo, fica para outro post.
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