Não faz muito. Há pouco mais de 10 anos a caminhada do rúgbi gaúcho iniciava. A criação do Charrua Rugby Clube inaugurou o processo de disseminação do esporte britânico – como o futebol – disputado com as mãos e passes somente laterais ou para trás. Hoje com aproximadamente 25 polos espalhados pelo Rio Grande do Sul, participação garantida na Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, o rúgbi se preparava para a virada na gestão e consequente popularização do esporte.
Acompanhe nesta quinta e sexta-feira no Final Sports em duas matérias especiais a entrevista exclusiva com o presidente da Federação Gaúcha, Nilson Taminato. Na primeira edição, o dirigente conta os planos para 2012 da gestão atual da FGRugby, eleita no final de 2011 para os dois anos seguintes. A intenção é de consolidar um público por meio de três níveis: formativo, intermediário e competitivo. Os olhos se voltam com carinho para o primeiro. Uma vez cativados, os participantes tendem a continuar no esporte. Pesquisa da empresa de consultoria e auditoria Delloite coloca o esporte como o que mais crescerá nos próximos anos, ao lado do MMA.
O início do esporte aconteceu nas universidades e escolas britânicas, junto com o futebol, ainda nos idos anos do século 19. Para desmistificar o rúgbi do preconceito de violência, a intenção é implantar nas escolas o tag rúgbi, que consiste em cada jogador levar um lenço no calção, pendurado. Assim, quando outro puxa o pedaço de tecido, a jogada para. Além disso, o chamado ‘terceiro tempo’ é incentivado: a confraternização após os jogos entre os times é uma necessidade do festival.
A projeção de Taminato é de “virada da pirâmide” para 2013 ou no máximo 2014. O ato tão falado pelo dirigente vem de teorias de gestão do esporte, mas ao contrário. Confederações usam a pirâmide como metáfora, com a ponta representando o esporte em alto nível. O trabalho inicia nas categorias de base, e vai subindo até a ponta. Na FGR, acontece o contrário.
No entanto, a Federação preferiu trabalhar com os moldes de uma pirâmide invertida. Como tratou de criar um público consumidor, um público jogador, pessoas que entendessem do esporte, tratou de criar pessoas que pudessem ser capacitadas para após serem transformadas em dirigentes, árbitros, técnicos. Segundo Taminato, a virada para o modo normal, com trabalho focado na base, será nos próximos dois anos.
- Confira abaixo a primeira parte da entrevista exclusiva com Nilson Taminato.
Final Sports: Como começou a caminhada do rúgbi gaúcho?
Nilson Taminato: Organizadamente, começamos o rúgbi a partir de 2001, com a formação de um primeiro time. Parece que houve a prática anos antes, no Sinodal, na Esef. Mas organizadamente, começou com a criação do Charrua, em 2001, fundado em 2 de junho. Desde ali eu e mais alguns interessados montamos esse grupo para jogar mesmo. Sou de São Paulo e já praticava lá. Joguei infantil e juvenil. Tinha outro também que jogou, tinha um argentino aqui também, e os argentinos são fortes, potência no rúgbi. Fomos montando o grupo, sempre pensando na parte organizacional. Apesar de em São Paulo o rúgbi ser centenário, passou muito tempo desorganizado. Ficamos sem viajar quando eu era juvenil na Seleção por desorganização. Agora que estamos tentando devolver algo para o esporte, não queremos que isso se repita, e que cresça de forma sustentável, tranquila. Sem passo maior que a perna, porque é um esporte que tem um preconceito de violência e desconhecimento.
FS: A evolução para uma federação foi natural, então?
NT: Fomos aos poucos mantendo o grupo. Com isso surgiram outros também, e incentivamos isso, no Charrua mesmo surgiram outros. Fui presidente do Charrua, primeira e segunda gestão, e saí. Montamos um grupo de desenvolvimento, em 2005 ou 2006, não era uma federação, até porque não estava na hora, não estava consolidado o esporte. Foi para pensar como pessoas afastadas de um clube, do esporte como um todo no Estado. Fizemos o primeiro Campeonato Gaúcho, o segundo e o terceiro, em 2006, 2007 e 2008. E organizamos a federação gaúcha. Organizamos tudo para todos participarem. E surgiram posicionamentos contrários, divergências, mas não tem uma linha diferente do que hoje está vigorando. Não são duas vertentes, duas ideias, por isso que falo que estamos alinhados. O ex-presidente é de outro grupo, mas nós o convidamos para fazer parte e agregar. Hoje ele é meu vice e eu ajudei na gestão dele também.
FS: Ainda não é a hora de existir oposição, é isso?
NT: Não tem porque hoje separar. O importante é agregar, mesmo com ideias um pouco diferentes. Temos que nos unir, nos juntar para crescer juntos. Mesmo sendo de times adversários, já que o rúgbi é muito aguerrido e acaba surgindo coisas dentro do campo, e passa para diretorias, enfim, mas estamos capitalizando para um bom sentido. Estamos acompanhando, eu pessoalmente não gostaria de assumir agora, mas percebi que era o momento, principalmente estratégico. Montamos uma chapa e vamos seguir o que estava sendo feito, por isso digo que está alinhado com o grupo anterior.
FS: Quais as ideias iniciais para essa próxima gestão?
NT: Vamos manter os mesmo campeonatos, mas vamos dividir três níveis do rúgbi e consolidar isso. Nos três níveis: competitivo, intermediário e formativo. Fala-se muito na pirâmide no esporte. Da forma como você quer crescer. É sempre em formato de pirâmide que se trabalha na categoria de base, e vai subindo até a parte competitiva, que para os patrocinadores é o produto. Essa normalmente é o que acontece. Infantil, juvenil, vai subindo, tanto feminino quanto masculino, até o profissional.
FS: E como funciona a parte formativa?
NT: Montamos esse campeonato na gestão passada, quando eu fui diretor de desenvolvimento, que é dos times que estão começando, debutando no rúgbi. Nesse campeonato, que é sempre de 15, pode-se jogar com 12 ou 10, dependendo do adversário, em conversas com os capitães. Por felicidade conseguimos jogar rúgbi union (15 jogadores) na maioria das vezes. Nesse campeonato relevamos algumas regras para diminuir a competitividade. Tiramos o ‘tackle’ (ato de agarrar o adversário e o colocá-lo ao chão para parar uma jogada) e o ‘scrum’ (disputa pela bola onde os jogadores se encaixam, empurrando-se, com a bola parada no chão). Fizemos regras de transição para que se consiga diversão e se machuque menos. Nesta idade, o corpo não está formado. Na competitiva, sim. Não são dois tempos de 40 minutos, é 10min por 10min, 20 por 20. Chamamos de festival.
FS: É um incentivo para que as pessoas fiquem no esporte?
NT: O time que tem uniforme ganha ponto, quem está presente ganha ponto, quem perde ganha ponto. Quem ganha, ganha uma bola, quem perde, ganha duas. É uma grande brincadeira. Foram vários times nessa formativa, e o resultado foi muito positivo. Em 2012, queremos aumentar, no formato de etapas. Acontece tudo em um sábado ou domingo. Então queremos três em cada semestre. Cada uma em uma em cidades diferentes, locais que achamos que tem potencial e que pode desenvolver o esporte. Cidades que achamos que estão nos apoiando. Vendemos um evento. E para o time da cidade é muito bom também.
FS: Quanto esses campeonatos são importantes para os clubes?
NT: Fizemos o último evento em Estrela. Lá eles já têm campo, estrutura, apoio da Secretaria do Esporte. E esse ano teremos mais participantes. O campeão foi o Centauro, e foi o primeiro ano deles. As equipes podem ter times em todas as divisões, na formativa, intermediária e competitiva. Os grupos são grandes e, se não há atividade, não mantém os jogadores. Novo Hamburgo jogou a competitiva e a formativa. O Charrua e o San Diego na competitiva e na intermediária. Lanceiros já jogou o Campeonato Gaúcho, mas agora partiu para a formativa, porque caiu um pouco. Está voltando. Maragatos é um grupo novo, uma gurizada de Sapiranga, e que participou. O interessante dessa cidade é que quem apoia não é a Secretaria de Esporte, é a da Educação.
FS: Vocês buscam essa identificação com instituições de ensino, com o início do rúgbi lá atrás?
NT: Acreditamos muito nisso, por isso foi uma vitória. Para tirar o preconceito de violência. Fizemos palestra com os professores lá, e já temos agendado um curso de formação dos professores de educação física. Eles querem implantar lá o tag rúgbi nas escolas municipais. Sobre esse formato, que cada jogador carrega uma fita no calção, que arrancada automaticamente para a jogada, queremos colocá-lo nas escolas.
FS: A partir daí a intenção é focar nas crianças?
NT: A ideia é essa, assim que virarmos a pirâmide, vamos trabalhar nisso. Teremos pessoas capacitadas, se não ex-jogadores, pessoas envolvidas, serão professores de educação física, e viramos a pirâmide e trabalharemos na base, principalmente com o infantil. Se não trabalhar no início, destrezas finas que se trabalha lá no guri, você não consegue em um com 18, 20 anos. Que é a regra de começar. Queremos colocar nas escolas, vamos começar com o tag para ter interessados, para dar a virada. Em 2013 ou 2014 queremos dar a virada da pirâmide.
FS: Porque não utilizar o processo de pirâmide invertida?
NT: Não se consegue fazer isso no rúgbi porque não há quem jogue e ensine. O que começamos desde o Charrua é contrário, porque tu começas com uma célula de pessoas que já conhecem, que se interessam, e esse grupo vai se formando. Hoje é invertido, para formar uma massa crítica. Estamos próximos da virada no rúgbi gaúcho. Você já tem uma massa crítica inicial interessada. Antes se falava com base, infantil, mas não tem quem seja o dirigente, o árbitro, o professor. Então, adotamos essa ideia e invertemos.
FS: E onde estamos nesse sentido?
NT: Estamos um pouquinho antes da linha média. Não estamos tão maduros para iniciar o trabalho visando à qualidade, já que o esporte é alto nível. Estamos formando e juntando pessoas. Por isso que acho que estamos antes da linha. A competitiva é inevitável existir, se não existisse, teria um desestímulo ao esporte. O patrocínio também. Ano passado a final do Gaúcho passou na TV Com, esse ano vai de novo. Teve na Sportv o Super 10, e os campeonatos de Seven, que é a modalidade olímpica hoje.
FS: O que falta, então, para essa virada?
NT: Nesta pirâmide, com vários clubes, pessoas novatas, experientes, temos dirigentes, temos os quatro agentes: dirigente, treinador, jogador e árbitro. Aqui em cada clube, temos isso. Se não tem, estimulamos com reuniões. O rúgbi se trabalha e brinca com isso o tempo todo. Essa é a minha ideia, deixar sustentável com a tua vida. Temos pessoas agora, o momento é de capacitar. Os árbitros agregam muita qualidade. Um árbitro bom ensina o jogador. Veja a iniciativa do árbitro com o microfone aberto para a televisão no Super 10. Foi um sucesso, no programa de futebol comentaram sobre isso, o respeito com o árbitro.
FS: E como a FGR planeja os próximos anos?
NT: Qual é a nossa deficiência? Técnica. De passar, de arbitragem e de treinadores. Não temos isso. Se a gente vai profissionalizar o rúgbi, a gestão, e isso faremos, não vai ser com a parte técnica. Não teríamos condições financeiras. Para viabilizar isso em 2013 ou 2014, para contratar um técnico. O Charrua fez isso. Recebemos currículos bacanas para trabalharem aqui.
FS: O contexto econômico do Brasil na América do Sul ajuda nesse sentido?
NT: Essa parte economicamente vai ser interessante para nós também, eles gostam dessa possibilidade de vir para cá pela economia. Mas não vamos contratar hoje um técnico porque não poderíamos mantê-lo. Vamos fechar com uma empresa de gestão esportiva para a parte administrativa. Vamos nos organizar para não ter uma instituição desacreditada. Nesses campeonatos todos, na formativa, juvenil, infantil, adulto, seleções, daqui a pouco estipulamos regras e não conseguimos cobrar. Uma instituição desacreditada não tem condições de se manter.
FS: Qual será o papel dessa empresa contratada?
NT: Primeira medida é profissionalizar a gestão, a parte administrativa. Essa empresa vai nos auxiliar na captação de recursos, tanto privados quanto públicos. Eles trabalham ainda na parte de capacitação e gestão. Este ano vamos cobrar inscrição dos jogadores e dos clubes para se federar. E assim vamos conseguir remunerar a pessoa jurídica. Vinculamos com o número de jogadores, se são 100 inscritos, vai para a empresa 10% daquilo. Eles abraçaram isso, e a gente vai conseguir tranquilidade. Com isso, podemos nós diretores, o técnico, o financeiro, o administrativo, não vai ter que quebrar pedra, apagar incêndios. Vai pensar na pasta dele. Vamos ter realmente diretores, cabeças pensantes.
FS: Mas a parte técnica não fica para trás?
NT: E se der, já vamos contratar o técnico em 2013. Temos pessoas interessadas. Fora isso, não vamos deixar um vão livre na questão técnica, sem conteúdo. Já contatamos a CBRu, e eles vão nos trazer cursos de arbitragem, de capacitação, de treinadores, do tag rúgbi, e infantil. A parte técnica, vamos tentar suprir dessa forma. Vamos usar os favores deles, a parte financeira é a regra, é sustentabilidade. Vamos fazer com 10, se tiver 10. Se tiver 1.000, faremos melhor. Mas não temos pressa, não temos que dar salto maior que a perna.
FS: O processo é de criar novos clubes?
NT: De manter. O que acontece: alguns clubes de rúgbi incentivamos a ter tudo certinho, como pessoa jurídica, e tentamos replicar para os caras. Treinem, joguem, mas pensem na pessoa jurídica, CNPJ. Agora acabou de ser aprovada a lei Estadual do Esporte. Essa empresa também vai ajudar os clubes a dar apoio jurídico, administrativo. E financeiro também. Se você tem toda a documentação, vamos tentar captar dinheiro para os clubes.
FS: De que forma chega no RS o sucesso da CBRu?
NT: Respinga de que forma: a Topper e o Bradesco são os parceiros. A Topper respinga pela comunicação ampla que está mostrando, pela marca e rúgbi em geral. As pessoas conhecem muito mais o esporte do que ano passado. A divulgação maior tem que ser aqui. Mas a luz respinga na divulgação. Aí as pessoas daqui buscam núcleos para treinar rúgbi.
FS: E o outro parceiro?
NT: Chega também material, com cursos e também com a parte competitiva, no qual somos representados pelo Farrapos. Esse ano foi o primeiro ano que o Super 10 foi rentável. O esporte sempre foi muito amador, e pagávamos do nosso bolso. Imagina um Campeonato Brasileiro indo para o Nordeste, São Paulo, Rio de Janeiro. O Bradesco pagou tudo isso, todas passagens do Farrapos, isso já é demais. Tivemos um representante lá, respingou assim. Esse ano vamos ver como vai ser, mas em termos de apoio, prevejo que seja com treinos, semelhantes, mais incremento nos cursos que estamos precisando. Vai de acordo com os que estamos pensando.
FS: E a federação do RS, como ganha nesse sentido?
NT: Tem possibilidade de já ter projetos formatados para entrar atrás das verbas da Fundergs. Fora isso, temos apoios apenas para a federação. A situação dos clubes é diferente, já tem patrocínio. A Federação busca a verba pública da Fundergs, já temos condições com a pessoa jurídica, e vamos entrar. Fora isso, é apoio, duas marcas de material de rúgbi que fornecem para o Brasil e para São Paulo. Com essa empresa e o dinheiro cobrado para se federar, vamos começar a formar uma caixinha, de repente, para em seguida vamos aplicar na parte técnica.
FS: Há também treinamentos de times na Esef, da UFRGS. Que relação há com a universidade?
NT: A UFRGS é um apoio nosso forte, firmamos um convênio com eles que nós cedemos esse recurso humano para capacitar os próprios alunos, para formar uma matéria optativa na própria faculdade. Vão fazer eventos, e em contrapartida eles dão o apoio de local e nós de pessoal. Só tem cursos em São José, em São Paulo, é o maior time do Brasil disparado.
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