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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Impotência Olímpica: o lado sem-teto da cartolagem


Dinheiro que jorra no topo da pirâmide não chega às federações esportivas e atravanca o trabalho de base no Rio

Por Ary Cunha e Claudio Nogueira

RIO - Numa das bilheterias do Parque Aquático Júlio De Lamare, o expediente é diário, mesmo com guichês fechados e nenhuma venda de ingressos há anos. Na porta que deveria dar acesso aos bilheteiros, uma pequena placa justifica o entra-e-sai rotineiro. Ali, funciona precariamente a Federação de Handebol do Estado do Rio de Janeiro (FHERJ), com mesas, cadeiras e troféus amontoados, além de armários com as gavetas mais baixas vazias para evitar perda de documentos em época de enchentes.
- Não temos funcionários. Aqui, eu, a presidente e colaboradores fazemos de tudo um pouco. Desde 2007, fomos mudando de sede e perdemos até telefone. Nos comunicamos por e-mail. Para fazermos assembleia, pedimos espaço a colégios ou a clubes - relata Rômulo Valente, vice-presidente da FHERJ.
Embora seja mais um triste retrato da falta de incentivo ao esporte de base, na cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, a realidade do handebol ainda é privilegiada, se comparada à de outras entidades que controlam as modalidades no estado. Ter um espaço emprestado, por mais precário que seja, ainda é um luxo do qual muitos não dispõem.
- Tínhamos um canto no Célio de Barros, nem sala era, onde guardávamos material, e tivemos de sair de lá. Nossa federação funciona virtualmente, já que não tenho espaço físico. Uso o computador da minha casa para me corresponder com os filiados e diretores - afirma a presidente da Federação de Ginástica do Rio (FGERJ), Andréa João, que costuma marcar reuniões na praça de alimentação de um shopping da Tijuca.

LEI PIVA NÃO CHEGA À BASE
Enquanto os milhões de patrocínios estatais e as verbas públicas, como as da Lei Piva, jorram nos cofres do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e de suas confederações filiadas, uma situação de penúria ainda assola as federações, atingindo diretamente a base do esporte, já que são elas que promovem torneios e competições em âmbito estadual, das categorias mirim à juvenil.
- Não recebemos nada da confederação - afirma Valente. - Nossa arrecadação se limita a taxas de transferência de atletas do Rio para outros estados, que variam de R$ 300 a R$ 700, e a inscrições de equipes em campeonatos, entre R$ 200 e R$ 400.

APOIO POLÍTICO E PIRES NA MÃO
O papel de vítimas, no entanto, não lhes parece o mais indicado. Afinal, são essas mesmas federações que sustentam politicamente e perpetuam o modelo de divisão do bolo feito pelo COB e seus aliados. Há quem ainda insista em viver de favor, mesmo ciente que a ordem de despejo pode vir a qualquer momento.
- Estamos resistindo ali até que alguém chegue e diga: “Deem o fora!” - desabafa Álvaro Lionides, presidente da Federação de Basquete do Rio (FBERJ). - O poder público não atenta para as federações esportivas. Elas são privadas, mas fazem um trabalho social. Administramos a modalidade e fazemos, em média, 1.200 jogos oficiais por ano. São cerca de dois mil atletas, só na base, com jovens de 12 a 19 anos, muitos de classe baixa. Se não fosse o basquete, onde esses jovens estariam? Isso não é trabalho social? O que o governo e a cidade olímpica fazem nesse sentido?
Na falta de fontes de arrecadação, não faltam entidades cujo endereço administrativo é o da casa de seus presidentes, como é o caso da ginástica. Outros tiram dinheiro do bolso na tentativa de buscar novos patrocínios para suas modalidades, como o atleta olímpico e presidente da Federação de Luta Olímpica do Rio, Antoine Jaoude. Ele reconhece que a falta de credibilidade em torno das administrações esportivas inibe novos incentivos.
- Vou mantendo a federação do meu próprio bolso. Gasto R$ 1.500 todo ano só para tirar as certidões e manter a entidade em dia. A gente vai se virando nos 30 — afirma Jaoude, peso pesado que competiu na luta livre em Atenas-2004, lamentando a falta de apoio da iniciativa privada. - Estou decepcionado com as empresas. A Lei de Incentivo é ótima, mas muitos ainda têm medo de confiar nas federações. E há também outras que estão irregulares e não querem se expor. Já cansei de pagar jantar aqui, em Angra, na Serra, para negociar com empresários e não consegui nada. Nossos atletas, para competir em outros lugares, viajam com ônibus emprestado.

CORRIDAS DE RUA SALVAM
Caso raro de federação com sede e fonte de arrecadação próprias, a de atletismo sofre com a iminente demolição do Estádio Célio de Barros, onde a maior parte das equipes da modalidade, do infantil ao profissional, treinava diariamente. Opositor ao atual presidente da CBAt, Roberto Gesta de Mello, o presidente da Farj, Carlos Alberto Lancetta, admite receber R$ 8.500 da entidade por ano. Um valor insuficiente para bancar os custos da federação, que mantém uma casa em Vila Isabel com alojamento para 36 atletas e diariamente fornece refeições a mais de 50 competidores. Não fosse a febre das corridas de rua, dificilmente o atletismo do Rio teria para onde correr.
- Mais de 70% da nossa receita vêm dos alvarás para corridas de rua. Foram 78 no ano passado. Recebo R$ 2.500, metade do que a CBAt cobra para autorizar cada prova - afirma Lancetta, criticando a divisão dos recursos da confederação. - Só da Caixa, a CBAt recebe R$ 16,5 milhões anualmente, mais R$ 3,5 milhões da Lei Piva. Com receita de TV e outros patrocínios, são R$ 25 milhões por ano. E não repassam nem 5% deste total às 27 federações do país.
Assim como o atletismo, o ciclismo tem hoje como maior bandeira a luta contra a demolição de seu principal espaço. Depois de ser obrigado a tirar todo o material do velódromo, a Federação de Ciclismo do Rio (Fecierj) já move uma ação, no Ministério Público (MP), contra a prefeitura.
- Por que levar o velódromo para Goiânia, se lá ninguém conhece ciclismo de pista? - indaga o presidente da Fecierj, Cláudio Santos.


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