Executivo que assumiu a administração financeira dos Jogos fala dos desafios das Olimpíadas no Rio
Engenheiro de produção especializado em administração, Levy terá sob seu comando uma mega estrutura com quatro mil funcionários
Por Isabela Bastos
RIO — O Comitê Organizador Rio 2016 foi buscar no mercado financeiro o profissional que irá encabeçar a organização dos Jogos Olímpicos. Copiando a experiência de Londres 2012, que separou a gestão esportiva da administração financeira e criou uma empresa com data de validade, a Rio 2016 convidou Sidney Levy, de 56 anos, para dividir as responsabilidades do evento com Leonardo Gryner, que passa a diretor de operações. Engenheiro de produção especializado em administração, Levy é presidente do Conselho de Administração da Valid, empresa que produz papéis de segurança (como papel moeda, títulos financeiros e vouchers), e conselheiro da Cedae, da Ediouro Publicações e da Ancar Shoppings. O executivo começa a se desligar do mercado ainda este ano, para se dedicar exclusivamente à Rio 2016. Com prazo de extinção previsto para 2017, a empresa que vai gerir os jogos terá sob seu guarda-chuva uma mega estrutura com quatro mil funcionários contratados. Isso sem contar com os milhares de voluntários que receberão atletas e visitantes. Carioca de Copacabana, pai de dois filhos que moram e trabalham nos Estados Unidos, Levy terá, na semana que vem, as primeiras reuniões com membros do Comitê Olímpico Internacional, que virão à cidade para inspeções em instalações olímpicas. Na primeira entrevista como CEO da Rio 2016, realizada na quinta-feira após o carnaval, na sede do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), na Barra da Tijuca, Levy disse que seu objetivo é chegar ao fim das olimpíadas com as contas da organização zeradas.
O GLOBO: Como será a divisão de trabalho entre o senhor e Leonardo Gryner, que dirigiu a Rio 2016 até agora?
SIDNEY LEVY: O Gryner estará mais ligado às questões relacionadas ao esporte, às instalações esportivas. E eu estarei ligado às questões do orçamento, da liderança das pessoas que trabalham no comitê, das contratações, das relações com governos. É uma divisão de trabalho que vem com o crescimento da estrutura. Hoje o comitê tem 200 pessoas. Em 2016, terá quatro mil. Esse ano essa estrutura aumenta em 250 pessoas. E a medida que cresce, ela precisa ser semelhante a uma empresa. Ela tem que dar satisfação à sociedade e a melhor maneira de fazer isso é organizá-la como uma empresa. E essa é a minha contribuição ao comitê. Eu chego para fazer isso.
Em Londres, a organização dos jogos foi precedida pela criação de uma empresa que tinha data para acabar. A experiência de Londres está sendo replicada aqui?
A nossa também (tem prazo para acabar). A nossa empresa vai de 4 mil funcionários a zero. Ela acaba em 2017, após a prestação de conta de tudo o que se fez.
Qual deverá ser o maior desafio das olimpíadas no Rio: fazer os governos cumprirem os prazos das obras e projetos vinculados aos jogos ou a Rio 2016 conseguir reunir profissionais suficientes para a sua própria organização até lá?
Você só faz uma olimpíada, um evento tão grande como esse, num esforço colaborativo entre os governos e a nossa organização, dentro da própria organização. Não tem heróis além dos atletas. Não podemos vestir essa roupa. Estamos aqui para colaborar com os governos, o COI e os patrocinadores. Temos muitos profissionais nacionais e estrangeiros que tem que trabalhar juntos. Tem o arquiteto que faz o projeto da arena ou o cara que desenha o campo de golfe. Eles têm que trabalhar dentro do nosso orçamento, das regras da federação internacional, da prefeitura. Isso tudo é uma grande rede temporária, desmontada depois.
Quando o senhor fala 4 mil funcionários, o senhor não está se referindo aos voluntários dos jogos...
Não, são funcionários contratados, especialistas em cada área. Por exemplo, tem que organizar os transportes públicos. Já temos especialistas trabalhando (com a prefeitura) nessa parte da organização dos jogos, que juntamente com o COI (que tem a expertise de outros jogos) e os profissionais das empresas, concessionarias de serviços de transporte público formatam o pacote de transportes para atender ao evento esportivo.
O que mais da experiência londrina o Rio irá aproveitar?
Londres passou quatro dias aqui com todas as áreas deles explicando tudo o que eles fizeram. Mandamos para os jogos 150 pessoas. Agora passaremos uma semana só com as pessoas que cuidaram das finanças de Londres. Vamos analisar o orçamento deles linha a linha, para comparar com o nosso. Quanto gastaram e a correlação com o que a gente vai gastar.
Quando será divulgada a matriz de responsabilidades dos jogos? Já se tem uma ideia de quanto os jogos irão gastar?
No final do primeiro semestre teremos uma linha mais clara quanto a isto.
Hoje já dá para saber se os jogos olímpicos fecharão no azul ou ao menos zerados?
Os jogos não têm lucro. Não é para ter. Tem que fechar no zero a zero necessariamente. O que entrar, tem que gastar. Com certeza vamos fazer por onde. Eu estou aqui pra isso.
Mas já se sabe ao menos o que é responsabilidade do comitê organizador, dos governos e da iniciativa privada?
Estamos analisando item a item as nossas despesas. Já tínhamos feito um orçamento anterior, há bastante tempo, longe dos jogos, portanto. E isso está sendo apurado. Temos as propostas do mercado, quanto as empresas estão dispostas a pagar de patrocínio, por exemplo. É nesse esforço que estamos. O nosso papel é o seguinte: nós recebemos dinheiro de patrocinadores e da venda de ingressos. Não recebemos dinheiro de governo. E gastamos esse dinheiro em uma série de tarefas. O governo faz outra coisa. Tem que construir o maracanã, fazer BRT. Você pode considerar isso orçamento ou não. BRT é bom pra todo mundo. Muito do que nos dão não vem nem em dinheiro, mas em coisas. Vamos precisar de automóveis. Temos um acordo fechado com a Nissan. Todos os veículos dos jogos serão deles. Precisaremos de transmissão de dados, a Embratel dará. Uma parte grande do nosso orçamento não é dinheiro, são coisas (serviços). Tem três fluxos de dinheiro aqui. Um que recebemos de patrocinadores para fazer as olimpíadas. Um claramente de governo, que é para fazer metrô, que pode ser para olimpíadas ou não. E um terceiro fluxo que são as parcerias que o poder público realiza para fazer, por exemplo, a Vila Olímpica ou o Campo de Golfe.
O senhor já disse que quer que a prestação de contas dos jogos seja o mais transparente possível. Como a população poderá acompanhar os gastos?
As empresas que nos dão dinheiro têm acionistas e estão abertas na bolsa de valores. Eles dão satisfação aos seus acionistas através de uma série de regras de transparência. Pretendemos seguir as mesmas regras de transparência do mercado. Isso ainda está sendo discutido, mas será feito ainda este ano.
Haveria ainda quatro instalações esportivas dos jogos que estão sem local definido. Uma dela é o hóquei sobre a grama, que seria em São Januário. Quais são essas instalações e o que está sendo decidido para elas?
Para fazer os jogos, negociamos com 28 federações internacionais as regras e os locais onde ficará cada competição. Não vamos falar enquanto não decidirmos com as federações.
Mas o Comitê Olímpico Internacional chega ao Rio na segunda para reuniões de inspeção dos jogos...
Para a maioria das coisas, já estão batidos os martelos. Para outras não. As federações têm que concordar, que comprar a ideia. A gente prefere não trazer a discussão a público. São quatro negociações que ainda não estão fechadas.
Do total do orçamento da candidatura, que previa gastos em torno de R$ 28 bilhões, a maior parte é de obras de governos em infraestrutura e instalações. Cerca de R$ 5 bilhões são recursos do comitê organizador. O senhor acha que vai fugir muito disso?
Posso responder isso daqui a um mês e meio. Acabei de chegar e estou fazendo a revisão orçamentária linha a linha. Não quero me comprometer com número. O meu compromisso é o seguinte: que o dinheiro que venha da iniciativa privada seja integralmente consumido pelo nosso orçamento. E que não sobre e nem falte. É o que vamos fazer com o dinheiro dos patrocínios, da venda dos ingressos e dos direitos de transmissão.
Os patrocínios master dos jogos estão fechados. Serão abertas outras linhas de patrocínio até os jogos?
Estamos negociando quatro linhas de patrocínio. As concorrências já estão acontecendo. São muitas cotas de patrocínio. A arena olímpica não tem propaganda. Não pode ter. Só tem os aros olímpicos e a marca da Rio 2016. Mas se você chegar no aeroporto vai ver que a Embratel é parceria oficial dos jogos. Nas instalações só poderá usar dinheiro ou cartão Visa. O Bradesco poderá usar o símbolo nos cheques, por exemplo. Serão cerca de 50 patrocinadores ao final. O nosso trabalho é equilibrar esses valores com os valores que teremos que gastar, para fazer as olimpíadas, independente da infraestrutura.
O Rio hoje é um canteiro de obras a céu aberto. Tem alguma obra de infraestrutura que o preocupa?
Estamos muito confiantes que tudo funcionará perfeitamente bem. O prefeito está super comprometido. O governo federal nos deu umas datas para concorrência e concessão do aeroporto (internacional Tom Jobim) que acreditamos ser perfeitamente factíveis.
O senhor é um homem de mercado financeiro, conselheiro de muitas empresas. É lícito dizer que o mercado remunera muito bem o seu trabalho. O que lhe move ter aberto mão disso para vir para a Rio 2016?
É uma oportunidade única. Isso é uma coisa que só vai acontecer uma vez na minha vida. Quando sair daqui poderei voltar ao mercado e para os conselhos. Quando o Nuzzman (presidente do COB, Carlos Arthur Nuzzman) falou comigo, não precisei de cinco minutos para aceitar. Eu falei: “Não precisa falar mais nada. Já entendi”.
Qual a expectativa do senhor para a sua vida nos próximos três anos?
Eu vim trabalhar hoje e fiquei pensando que há muitos anos eu não trabalhava na quinta-feira depois do carnaval. Nessa data, nenhum conselho se reúne. E a agenda de hoje era horrível. Mas a vida é isso, fazer coisas que deem orgulho e deixar uma marca. A rotina tem sido muito dura. Eu estou aprendendo muita coisa. Tenho gastado muitas horas aqui.
Como a sua família encarou esse convite?
Minha filha mora há muitos anos nos Estados Unidos e fala comigo em inglês. Ela disse que esse seria “the coolest job”, o trabalho mais bacana, maneiro. Eu estou muito feliz.
O senhor faz algum esporte?
Eu me esforço. Mas sou muito ruim. Não foi por causa disso que vim pra cá. Quando era garoto, eu nadei e faço isso até hoje.
E quanto não está no trabalho, o que gosta de fazer?
Sou cinéfilo e leitor exagerado. Estou lendo “Antifragility” (de Nassim Taleb), que aborda um conceito que vale para as olimpíadas. Ele diz que existem instituições fortes e frágeis, mas que a instituição moderna é anti-frágil. Ela está preparada para um terremoto, o inesperado. A casa anti-frágil não é uma casa sólida, mas flexível. Vem o terremoto e ela aguenta. É o poder da resiliência.
O senhor diria que vai explorar muito esse conceito de resiliência?
Você tem que ter uma empresa com milhares de pessoas que saibam reagir na hora. Tem que ter uma organização na qual as pessoas saibam o que fazer. Um expectador passou mal, uma televisão não funcionou? Como faz? Isso é o mais importante numa organização moderna. A capacidade de se adaptar e resolver as coisas. Não supor que vai resolver os problemas todos antes. Mas que vai resolver na hora, com pessoas qualificadas para isso e com mentalidade e recursos para resolver. Vão acontecer coisas. As pessoas ficam doentes, por exemplo...
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