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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A concorrência com conglomerados internacionais

Por Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos em 31/01/2012 na edição 679


Os canais pagos dedicados aos esportes ganharão um concorrente de peso a partir de 5 de fevereiro de 2012. A Fox Sports, do conglomerado News Corporation, de Rupert Murdoch, monta base no Rio de Janeiro e imediatamente passa a transmitir com exclusividade na TV por assinatura brasileira o principal torneio de futebol do continente: a Copa Santander Libertadores.
Com promessa de cinco narradores e mais de 70 profissionais em sua estrutura, a Fox Sports ocupará oficialmente o espaço do Speed, que não está no pacote básico da TV por assinatura, começando com um público estimado de 3,5 milhões de espectadores. Já que a pretensão é exibir todos os jogos do torneio, o canal FX, também pertencente ao grupo, será utilizado para transmissões todas as vezes que no mesmo horário ocorrerem duas partidas.
A Fox Sports também obteve o direito de transmitir com exclusividade a Copa Bridgestone Sul-Americana no segundo semestre, retirando os dois campeonatos da SporTV, empresa ligada às Organizações Globo. Como os torneios europeus, com destaque para a Liga dos Campeões da Europa, estão há anos com os canais ESPN (Disney) – que terá que dividir a transmissão da Premier League (Campeonato inglês) na temporada 2012-1013 com o novo concorrente no Brasil –, a SporTV só poderá transmitir jogos de futebol organizados no país, aproveitando-se dos privilégios político-institucionais da Rede Globo de Televisão.
Exclusividade do Canal Combate
Além disso, apesar de apresentar dificuldades em tirar profissionais de outras emissoras, inclusive de TV aberta, a maioria dos contratados anunciados pela Fox Sports é ex-funcionária das Organizações Globo, casos do comentarista José Ilan (Globoesporte.com e ex-repórter da Rede Globo), do repórter Victorino Chermont (SporTV) e dos narradores João Guilherme e Marco de Vargas (SporTV). Já o vice-presidente do novo canal é Eduardo Zebini, que trabalhou por mais de uma década como diretor de esportes da Rede Record e participou das primeiras disputas travadas por direitos de transmissão esportiva, na segunda metade da década passada.
Cogitou-se até que a transmissão da Libertadores em TV aberta pela Rede Globo ficaria restrita a um jogo por semana para toda a rede, ao contrário do que tem acontecido, quando a emissora coloca uma partida diferente para cada núcleo (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Nordeste). Em nota oficial, nos últimos dias de 2011, a Globo afirmou que transmitirá os dois jogos com brasileiros na Pré-Libertadores (Flamengo e Internacional) e, a partir da fase de grupos, duas partidas por rodada, reafirmando a posse exclusiva dos direitos de transmissão do torneio em TV aberta até 2018.
A SporTV ganha mais uma concorrente de peso. Além dos torneios sul-americanos de clubes de futebol, a Fox Sports já começa com 11 campeonatos de tênis, cerca de oito competições de automobilismo – dentre elas a Nascar, principal categoria estadunidense – e um pacote de lutas. Mesmo com a parceria com o UltimateFightingChampionship (UFC) nos Estados Unidos, onde transmitiu o evento pela primeira vez em TV aberta para todo o território, em novembro de 2011, o canal ainda não se posicionou se tirará a exclusividade do Canal Combate (pay-per-view do SporTV) sobre a atração esportiva que mais cresce no Brasil nos últimos anos.
Transmissão esportiva
A curiosidade sobre esta disputa é que se presumia que existisse um acordo tácito das Organizações Globo com a News Corp. em que não haveria concorrência por pacotes de conteúdos até então pertencentes à empresa brasileira. Afinal, os dois conglomerados comunicacionais foram parceiros por muito tempo na posse da Sky (hoje Sky/Directv), na segunda onda globalizante do audiovisual brasileiro, que tem como marcas a privatização do setor de telecomunicações e sua aproximação com empresas tradicionais que operavam na televisão paga, numa associação entre oligarcas regionais e grandes empresas globais.
Além disso, os canais Globosat e a Fox são sócios nos canais Telecine que, dentre outros produtos e serviços, coproduz filmes com a Globo Filmes e demais produtoras do país, como são os casos de Assalto ao Banco Central (Marcos Paulo, 2011) e O Palhaço (Selton Mello, 2011).
Essa mudança de paradigma já é um reflexo das alterações oriundas da Lei do Audiovisual (12.485/2010), que exige 30% de produção nacional nos canais de TV por assinatura e permite maior participação das grandes empresas mundiais no setor, especialmente no que concerne à posse de operadoras, agora sem limite para o capital estrangeiro. Lembra-se que os grandes conglomerados empresariais atuam tanto nas telecomunicações quanto na produção e distribuição do conteúdo. Este caso reflete também a importância da transmissão esportiva enquanto mercadoria, a ponto de superar antigas alianças.
Filão da TV aberta
A concorrência direta de dois grandes conglomerados, no que tange aos esportes na TV por assinatura – representados pelos canais Fox Sports e ESPN –, pode representar um risco ainda maior para as Organizações Globo nas próximas negociações dos direitos de transmissão de campeonatos nacionais de futebol. Isto pode mudar o estágio atual, de monopólio do direito de transmitir na maioria das mídias, confirmado, por exemplo, no último contrato assinado com os clubes para o Campeonato Brasileiro de Futebol, válido até 2015.
Se as barreiras impostas pela Globo na televisão aberta, por conta de seu padrão tecno-estético e de suas relações político-institucionais, foram, e ainda são, difíceis de serem rompidas, elas são bem mais frágeis na TV paga, onde o confronto envolve organizações com larga experiência internacional, em termos de produção e distribuição de audiovisual, com capitais muito superiores aos dos radiodifusores nacionais.
As novas barreiras que passam a ser construídas pelos conglomerados globais podem ser intransponíveis para os tradicionais oligarcas do mercado audiovisual brasileiro. Por isso a aversão – apresentada já em 2002, quando da necessidade de se fixar em 30% a quantidade de capital estrangeiro nas empresas de comunicação mais tradicionais (TV, rádio e jornal) – em permitir a entrada desses grupos num filão como o é a televisão aberta, já que 63% dos recursos publicitários do mercado nacional vão para este meio de comunicação.
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[Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e mestrando no mesmo programa]

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