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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ary Graça: ‘Mudar para quê? Se é bom, fica. Se não é, sai’


Novo presidente da FIVb está licenciado da CBV, mas mantém o poder por perto

Por Ary Cunha

RIO - A galeria de troféus da CBV, na Barra da Tijuca, virou sala de espera do novo escritório da FIVb. Quando não está na Suíça, é de lá que Ary Graça Filho comanda os rumos do vôlei mundial desde que assumiu a entidade, em setembro. Defensor das reeleições ilimitadas, ele está licenciado na CBV e na Sul-Americana, mas mantém o poder por perto.

O escritório da FIVb vai ficar mesmo junto com a sede da CBV?
Separei essa parte aqui e passou a ser FIVb, com porta fechada, tudo direitinho. Contato com a CBV até tem, é só descer e entrar lá. E a Sul-Americana de Vôlei é no prédio aqui em frente.
Cercou tudo, hein, presidente...
Você que está falando. Não bota isso na minha boca (risos). E ainda tem o COB do outro lado da rua (na Avenida das Américas). Cerquei mais ainda.

O que vai mudar no vôlei com sua chegada à presidência da FIVb?
A estrutura vai mudar. Vamos implantar o modelo de gestão que tenho no Brasil, de unidades de negócios. Lá, o setor de desenvolvimento, encarregado de expandir o esporte, é o mesmo que cuida da área técnica, para aprovar bolas, equipamentos, redes... Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Então, vamos implantar uma administração moderna. Mandei instalar equipamentos de vídeo conferência aqui, nas federações e lá em Lausanne. Isso evita que tenha de estar presente em todos os lugares. Mas, nesse início, terei de ficar mais lá do que aqui, para implementar isso tudo.

Qual é o maior desafio do vôlei, em termos globais?
O desafio é vender. Hoje, o voleibol mundial está restrito. Somos fortes apenas em 20, 25 países. No resto, ficamos em níveis inferiores. Estamos em 220 países, mas como esporte dos principais são apenas 25, porque temos muitos na Europa. Se reparar nos últimos 60 anos, só seis países foram campeões mundiais. Desses seis, Rússia e Brasil tiveram praticamente 50% dos títulos. Então, a coisa está muito concentrada. E a ascensão do Brasil é recente. Campeões olímpicos, são apenas sete. Do ponto de vista de marketing, não temos um mercado. A finalidade imediata é fazer com o vôlei de quadra o que fiz na praia, com a Continental Cup, que trouxe 143 países para disputar vaga nas Olimpíadas. Levou dois anos e meio, mas pôs na parada Vanuatu, Ilhas Cook, Barbados, Cayman e outros países esquecidos. A palavra é oportunidade. E para todo mundo.

Mas expandir o vôlei de quadra não é mais complicado?
O vôlei de quadra é mais caro, não são só duas duplas. Tenho que ampliar mercado, mudando as fórmulas de competição, para serem mais comerciais. A Liga Mundial hoje reúne 16 times. Fiz uma proposta de competição apenas com os oito melhores times do mundo. E aí, teria uma Segunda Divisão com outros oito e a Terceira, dando oportunidade para o mundo inteiro entrar, por continente, num modelo mais barato. Em todas elas, um sobe e outro cai. Isso nunca houve na Liga Mundial. É uma sugestão que acho que vai ser aprovada, mês que vem.

Como no futebol, vai cair gente boa.
Aí está a emoção do negócio. Não pode perder. Um bom vai cair. Na prática, o que vai acontecer? Ninguém mais vai mandar segundo time para jogar a primeira fase. A maioria hoje aproveita para fazer experiência. Até o Brasil sempre fez isso. Ano passado, só fomos nos classificar no último jogo. Todos os times mandam jogadores novos. A Liga é competição séria, não é lugar para treinamento. É para pôr em quadra os melhores. E o mesmo vai valer também para o Grand Prix feminino.

Se essa proposta passar, o senhor vai comprar uma briga com o Bernardinho e o Zé Roberto.
Vou ser obrigado a dar uma resposta diplomática. Competição comercial, para desenvolver mercado e não ser deficitária, tem que ser com os melhores jogadores. Se quiser levar a sério o esporte, tem de botar para jogar os melhores artistas. Agora, para cuidar da parte técnica, testar jogador, há outras competições, continentais, sul-americanas, europeus. Aí, bota quem eles quiserem. É preciso ter visão empresarial. Não se pode brincar com o desenvolvimento do marketing do esporte.

Falando em marketing do esporte, muita gente já aponta o MMA como segundo esporte preferido dos brasileiros. O que o senhor acha disso?
É uma propaganda muito bem feita, mas uma mentira absurda. Me lembro, quando era pequeno, que apareceu por aqui luta do Kimura contra o Hélio Gracie, tinha também o Waldemar Santana... Levou uns três, quatro anos, mas depois nunca mais ninguém ouviu falar nisso. Não estou dizendo que o MMA não vá adiante. Estou dizendo que há uma limitação de público, dada a brutalidade que é. Certamente esse público não passa daquilo. Só tivemos três ou quatro torneios no Brasil de Ultimate Fighting... É um modismo, como foram tantos outros. Quero ver consolidar. Não se pode falar em consolidação antes de dez anos. Essas coisas surgem e vão embora, são os cometas. Já um esporte que pouco tempo eu acho que vai arrebentar no Brasil é o rúgbi. Era confinado a Austrália, Nova Zelândia, e agora está arrebentando no mundo todo e tem tudo para se manter. O UFC, enquanto tiver brasileiro ganhando, tudo bem. Quando não tiver, acabou.
Mas, em se tratando de Brasil, essa tese se aplica para qualquer esporte.
Só que o UFC só tem americano e brasileiro. O japonês tentou entrar e não conseguiu. Na Europa, não tem. Não perturbam. Tenho estatísticas de tudo. Eles não incomodam ainda.

Em termos de regras, quais são as novidades a caminho?
Vamos harmonizar o máximo possível as regras da praia e da quadra. Em 90% dos casos é viável e serão regras iguais. Por exemplo: na praia, se você bloqueia, vale um toque. No indoor, não vale. Por quê? Não tem sentido. Na praia, o jogador diz que está machucado, ganha tempo técnico de cinco minutos. E quem vai provar que não está? É uma indisciplina absurda. O Usain Bolt, se der um tiro e sentir uma fisgada, não fica para trás? Então, se machucou, acabou o jogo. Além disso, por que uma quadra tem nove metros no indoor e oito na praia? As duas têm de ser de nove. Pode não ser bom para os brasileiros, que não são tão altos. Então, vamos arrumar jogadores mais altos.

O senhor já está licenciado formalmente da CBV e da Sul-Americana ou vai acumular cargos?
Meu mandato na CBV vai até 2016, depois das Olimpíadas, mas já me licenciei. Na Sul-Americana, da mesma forma. E assumiram estatutariamente os dois vice-presidentes.

E eles vão mandar, com o senhor tão perto?
Aí é problema deles. São os presidentes, vão tomar as atitudes necessárias. O que posso dizer é que tenho uma gestão empresarial, em que a figura do presidente é filosófica e representativa. Está tudo planejado até 2016. Eles têm de implementar o que está combinado. Não vou interferir, mas não posso deixar de ser um aconselhador. Estarei sempre presente. Agora, é bom que se diga que legalmente nada me impede de ficar na presidência das três entidades. Só me licenciei para poder implementar projetos na Federação Internacional.

O senhor também pretende ter mandatos sucessivos na FIVb (ele é presidente da CBV há 15 anos)?
Tenho 69 anos. E na FIVb, com 72 você não pode mais se candidatar. Pelos estatutos atuais, não posso ser reeleito.

Pensa em mudar o estatuto?
É como aquela música: “Deixa a vida me levar”... (risos) Nesse momento, não penso nisso.
Mas o senhor defende as reeleições ilimitadas de dirigentes...
Os clubes de futebol quase todos têm essa obrigação de os presidentes saírem. Aí, eu pergunto: deu solução? O Flamengo, a cada quatro ou seis anos, muda de presidente. E ai, deu solução? É preciso condicionar a permanência no cargo a resultados.

O que o senhor acha, então, de o Ministério do Esporte promete condicionar a liberação de recursos a essa democratização no poder?
O dinheiro público tem de estar condicionado a resultados. É preciso que as metas estejam fixadas de forma bem clara. Dessa forma, você pode cobrar. É como numa empresa. Você tem de responder pelos resultados, não pelo tempo em que está no cargo.

Bernardinho e Zé Roberto ficam? O senhor chegou a dizer que exigiria dedicação exclusiva à seleção.
Com o Bernardinho já está tudo bem adiantado. Tivemos uma conversa em Londres, após as Olimpíadas. Com o Zé Roberto, ainda falta uma conversa com o diretor-técnico, Paulo Márcio, para acertarmos tudo. Realmente, a exclusividade é um desejo meu, mas não significa que seja uma obrigação. É aquilo: vou tirar por que? Só porque acham que é preciso mudar a toda hora? Mudar para quê? Se é bom, fica. Se não é bom, sai.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/esportes/ary-graca-mudar-para-que-se-bom-fica-se-nao-sai-6629805#ixzz2BMAxBD8Z 

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